A Lei nº 13.467/2017 tem sido objeto de análise em todos os impactos que poderá
produzir nas relações trabalhistas, individuais e coletivas e no processo do
trabalho. Dentre as inovações, destaca-se a regulamentação o modelo do trabalho
intermitente no artigo 452-A, inserindo-o, com todas as peculiaridades que
apresenta, na condição de trabalho sob vínculo de emprego, trazendo uma
ampliação desse conceito e quebrando o exercício dos poderes disciplinar e
diretivo do empregador. A análise detida da lei pode surpreender e trazer
novos enfrentamentos na discussão da relação de emprego.
Quanto ao contrato de trabalho intermitente, dizem alguns que as empresas terão
maior facilidade e flexibilidade na contratação de trabalhadores nesta
modalidade e, outros dirão que o trabalho intermitente tenderá a reduzir o
número de 14 milhões de desempregados. De fato, a lei incorporou a prática de
trabalhos em “bicos” para dar a ela proteção trabalhista.
Da forma como está, o contrato de trabalho intermitente é um contrato sem
garantias e sem obrigações. Pela ausência de garantias ao trabalhador
contratado, a lei permitirá o deslocamento de trabalhadores da estatística de
desempregado para emprego intermitente, sem qualquer certeza de salário no mês porquanto
condicionado à convocação pelo empregador. É o emprego sem compromisso de
prover renda.
Observe-se, também, que o contrato de trabalho intermitente se caracterizaria
pela natureza do trabalho a ser executado e não porque os trabalhadores
inseridos na relação de trabalho representem um grupo de trabalhadores
intermitentes. É um trabalho que gera uma expectativa de ocorrência freqüente,
mas não rotineira, muito embora ocorra nas atividades habituais do empregador.
Deste modo, configurar-se-á no modelo da lei o trabalho que puder se submeter
aos aspectos formais da lei: natureza de trabalho a ser prestado e convocação
pelo empregador (“Art. 452-A § 1o O
empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação
de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias
corridos de antecedência”.)
A contratação de empregado para prestação de serviços de conteúdo intermitente
também rompe com o paradigma de obrigações contratuais no âmbito do Direito do
Trabalho.
Em se tratando de contrato de trabalho, é usual que gere entre as partes
obrigações e deveres recíprocos: do lado do empregador de dar trabalho e
salário e, do outro lado, do empregado, de entregar um tempo para cumprir o
trabalho e fazer jus ao salário. Portanto, o contrato de trabalho tem, dentre
suas características, a obrigatoriedade de o empregador prover trabalho ao
empregado contratado durante o período em que permanece à sua disposição.
No trabalho intermitente desaparecem as obrigações de prover o trabalho pelo
empregador e, para o empregado, de permanecer à disposição.
De verdade, o conceito de tempo à disposição desaparece como condição
contratual obrigatória. A manifestação da vontade do empregado de que atenderá
à convocação do empregador é que faz do compromisso contratual seu caráter
obrigatório (Art. 452-A § 2o Recebida
a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao
chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa).
É um contrato de trabalho condicionado ao interesse do empregado,
exclusivamente. O empregado é dono do seu tempo e pode recusar a convocação do
empregador (“Art. 452-A § 5o O
período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador,
podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes”).
É um contrato de emprego sem salário. É um contrato que não gera obrigação ao
empregador de prover trabalho. É um contrato em que o empregado pode recusar o
trabalho oferecido sem gerar ato de insubordinação ou ato de indisciplina,
conforme expressamente disposto no §3º, do art. 452-A (“A
recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de
trabalho intermitente”).
A subordinação neste tipo de contrato somente ocorrerá se o empregado aceitar a
convocação. A recusa é ato de exercício de liberdade do empregado.
De novo a lei nos coloca diante de um rompimento de paradigma. O trabalho
ocasional sempre levou como argumento de exclusão de vínculo de emprego, além
da ausência do seu caráter habitual, a possibilidade de recusa pelo prestador
de serviços. Todavia, a nova lei inaugura a inclusão da ausência de
habitualidade e da manifestação contrária pelo prestador de serviços como
elementos incapazes de excluir o vínculo de emprego.
A subordinação jurídica sempre foi o aspecto mais relevante de sobrevivência do
Direito do Trabalho na afirmação da proteção na relação de emprego e da relação
de emprego. A subordinação permite ao empregador o exercício dos poderes
disciplinar e diretivo, comandos típicos e decorrentes do próprio contrato de
trabalho e valerá na relação de trabalho intermitente de forma condicionada à
aceitação da convocatória do empregador.
Há muito ainda que se estudar nesta relação de emprego sui generis em
que há nítida inversão de controle do contrato e de sua vigência pelo
empregado. Caberá às empresas a avaliação da conveniência de manter
trabalhadores nesta condição e, quando se trata de organização empresarial, a
possibilidade de recusa pelo empregado de executar o trabalho parece
incompatível com a dinâmica das empresas. Talvez este tipo de contrato,
tão praticado em outros países, não atinja o desejo de redução na estatística
dos desempregados.
Paulo Sergio João -
advogado e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP e FGV.
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