sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Os desafios da adolescência para quem vive com fenilcetonúria

 Rotina alimentar e apoio familiar são essenciais para manter o equilíbrio metabólico e a qualidade de vida de quem convive com a condição
 

A adolescência é uma fase repleta de mudanças e descobertas. Para quem convive com a fenilcetonúria, enfermidade conhecida como PKU, esse período traz desafios ainda maiores. fenilcetonúria, enfermidade conhecida como PKU, esse período traz desafios ainda maiores. A PKU é uma condição genética rara que impede o corpo de processar a fenilalanina, uma substância presente em alimentos ricos em proteínas, como ovos, leite, carne, alguns legumes e em adoçantes, como o aspartame. Quando não metabolizada corretamente, ela se acumula no sangue e no cérebro e pode afetar o funcionamento do sistema nervoso. Por isso, o tratamento desde o nascimento é fundamental e depende de uma dieta muito restrita, associada à suplementação de aminoácidos, essencial para garantir a ingestão adequada de nutrientes. 

Com o início da adolescência, a rotina alimentar passa a coexistir com compromissos sociais, refeições fora de casa e o desejo de não se sentir diferente, o que pode impactar o seguimento da dieta. A endocrinologista pediátrica Dra. Paula Vargas explica que nesta fase muitos jovens começam a flexibilizar a alimentação ou diminuem o uso da suplementação, o que pode prejudicar o equilíbrio metabólico e o bem-estar emocional. “O adolescente quer pertencer ao grupo, e isso é natural. Mas a PKU exige cuidados diários que não podem ser colocados de lado. Quando o jovem tenta se encaixar, a disciplina do cuidado da doença costuma ser afetada, porque ele passa a evitar situações em que sua dieta ou suplementação o fazem se sentir diferente”, afirma. 

Estudos mostram que a PKU, mesmo quando tratada, já pode afetar o estado mental. O excesso de fenilalanina pode diminuir neurotransmissores importantes para o humor, como dopamina e serotonina, e prejudicar a mielina, estrutura essencial para a comunicação entre os neurônios.1 A médica explica que isso não significa que todo adolescente com PKU terá sintomas emocionais, mas o risco é maior. “Quando a fenilalanina sobe, mesmo por períodos curtos, funções como atenção, organização e regulação emocional podem ser afetadas. Por isso, o cuidado multidisciplinar constante é fundamental, em todas as fases da vida”, reforça. 

Esse impacto se intensifica quando o adolescente perde o controle da dieta. Estudos e diretrizes apontam que concentrações de fenilalanina acima de 600 µmol/L (valor considerado elevado) estão associadas a um risco maior de alterações comportamentais e neuropsiquiátricas em jovens com PKU.2,3 De acordo com a especialista, isso acontece de forma silenciosa. “Os efeitos não aparecem de um dia para o outro e podem passar despercebidos no início. É um acúmulo de pequenas oscilações que, com o tempo, prejudicam a memória, a motivação, o humor e a capacidade de concentração. A boa notícia é que, ao retomar a dieta e controlar adequadamente a doença, muitos desses efeitos podem ser revertidos”, destaca. 

A pressão social também pesa nessa fase, e um dos pontos que mais interfere na adesão ao tratamento é a suplementação nutricional. Muitos adolescentes relatam vergonha de usá-la, especialmente fora de casa, já que o cheiro e o sabor podem ser fortes. Essa sensação de ser diferente se soma à restrição alimentar e aumenta a tendência de esconder a rotina do tratamento. Neste sentido, a endocrinologista pediátrica reforça que o apoio emocional e o acompanhamento constante fazem diferença nessa etapa. “Não é apenas explicar por que a suplementação é importante. É ajudar o jovem a enfrentar o desconforto social, a encontrar estratégias para incorporar o uso na rotina e a entender que manter o tratamento o faz sentir-se melhor”, pondera. 

Por isso, o cuidado multidisciplinar é fundamental para apoiar o adolescente em todas as frentes: alimentação, saúde mental, vida escolar e convivência social. Além disso, a médica destaca a necessidade de ampliar a disponibilidade de suplementações mais palatáveis e práticas, além de terapias específicas para a doença que ajudem a melhorar a adesão. “A adolescência é um momento de escolhas e construção de identidade e, para quem convive com PKU, também é um momento de consolidar o autocuidado. Quando o tratamento se integra à rotina com apoio adequado, o jovem preserva sua saúde mental, mantém o equilíbrio metabólico e vive essa fase com mais segurança e liberdade”, finaliza.



Referências


[1] Ashe K, Kelso W, Farrand S, Panetta J, Fazio T, De Jong G, Walterfang M. Psychiatric and Cognitive Aspects of Phenylketonuria: The Limitations of Diet and Promise of New Treatments. Front Psychiatry. 2019 Sep 10;10:561. doi: 10.3389/fpsyt.2019.00561. PMID: 31551819; PMCID: PMC6748028.

[2] van Spronsen FJ, van Wegberg AM, Ahring K, Bélanger-Quintana A, Blau N, Bosch AM, Burlina A, Campistol J, Feillet F, Giżewska M, Huijbregts SC, Kearney S, Leuzzi V, Maillot F, Muntau AC, Trefz FK, van Rijn M, Walter JH, MacDonald A. Key European guidelines for the diagnosis and management of patients with phenylketonuria. Lancet Diabetes Endocrinol. 2017 Sep;5(9):743-756. doi: 10.1016/S2213-8587(16)30320-5. Epub 2017 Jan 10. PMID: 28082082.

[3] van Wegberg AMJ, MacDonald A, Ahring K, Bélanger-Quintana A, Blau N, Bosch AM, Burlina A, Campistol J, Feillet F, Giżewska M, Huijbregts SC, Kearney S, Leuzzi V, Maillot F, Muntau AC, van Rijn M, Trefz F, Walter JH, van Spronsen FJ. The complete European guidelines on phenylketonuria: diagnosis and treatment. Orphanet J Rare Dis. 2017 Oct 12;12(1):162. doi: 10.1186/s13023-017-0685-2. PMID: 29025426; PMCID: PMC5639803.

 

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