A maior pegadinha da juventude é fazer você acreditar que precisa acertar o tiro aos 18 anos antes mesmo de aprender a mirar.
Para
quem não me conhece tanto, deixo aqui uma confissão improvável em
um texto sério: sou uma apaixonada por reality shows. Assisto a tudo,
do BBB a Casamento às Cegas, passando por Round 6 e concursos de música. Já
discuti horas com minha irmã, que insiste que tudo é roteirizado, mas nem isso
ameaça minhas maratonas.
A
mais recente foi “Simon Cowell e o Próximo Sucesso”, da Netflix. Cowell, famoso
pelo jeito cortante (eufemismo para babaca, se o algoritmo permitir), volta à
TV para escolher a nova boy band do
momento. Mas o que me chamou atenção não foi ele, e sim um participante de 16
anos que, após sobreviver ao primeiro corte, declarou: “música é a única coisa
que quero fazer. Não tenho plano reserva.”
A
frase me atravessou. Não pelo romantismo juvenil, esse todos nós já
tivemos, mas porque resume um mito profundamente enraizado na nossa cultura,
especialmente entre quem nasceu entre os anos de 1980 e 1995, os famosos millennials: a ideia de que
alguém, aos 16, 17 ou 18 anos, deveria saber exatamente o que quer fazer pelo
resto da vida.
Nosso
sistema educacional reforça esse roteiro. Aos 18, exigimos que adolescentes escolham
entre exatas, humanas ou biomédicas, como se tivessem bagagem suficiente para
decisões estruturais. Muitos não têm sequer a primeira experiência de trabalho,
mas precisam definir um caminho profissional que os acompanhará por décadas,
décadas em um mundo onde profissões desaparecem e surgem em ritmo acelerado.
O
drama do reality show, nesse sentido, funciona quase como alerta. Ali, um
menino é exposto à pressão de transformar um sonho em destino. Sorte dele que
tem pais presentes e rede de apoio. Mas e os que já não têm mais essa margem de
erro?
É
aqui que voltamos ao território dos millennials,
hoje na faixa dos 30 e poucos aos 40 e tantos, uma geração que cresceu
acreditando fielmente na promessa feita pelos pais: estude, escolha uma boa
profissão, trabalhe duro e tudo dará certo. Acontece que muita coisa não deu.
Os millennials são a geração
que entrou no mercado no auge das crises econômicas, viu salários encolherem,
expectativas inflarem e modelos profissionais se esgotarem. É a geração mais
endividada, mais esgotada e mais pressionada pelo ideal de sucesso que nunca se
concretiza totalmente. E, ainda assim, muitos permanecem presos à crença de que
aquilo que escolheram aos 18 é o que devem sustentar até o fim, mesmo quando já
não faz sentido, não oferece futuro, não preserva a saúde mental e não paga as
contas dignamente.
O
menino de 16 anos, com sua convicção absoluta, não me preocupa. A vida ainda
vai mostrar a ele a inevitabilidade dos desvios, dos tropeços, das reinvenções.
É esperado.
O que
me preocupa é o adulto que acredita não ter mais permissão para mudar. Aquele
que confunde estabilidade com resignação, que acha que o cansaço é normal. O
adulto que acredita que sua profissão atual é a única porta possível, quando,
na verdade, o mundo do trabalho nunca ofereceu tantas janelas.
O
que precisamos não é de certezas novas, e sim de coragem para abandonar as
antigas, mesmo que isso nos leve à inevitável e, muitas vezes, libertadora
transição de carreira.
Renata Seldin - escritora, mentora de
carreiras, doutora em Gestão da Inovação, com mais de 24 anos de
experiência como executiva em consultoria de gestão. (Instagram:
@renata_seldin).
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