quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Metanol e morte encefálica: aspectos periciais e médicos da intoxicação por bebidas adulteradas

 

“A morte encefálica é a cessação completa e irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo o tronco encefálico”
 

O Brasil enfrenta uma crise de saúde pública com a escalada de casos de intoxicação por metanol, substância altamente tóxica encontrada em bebidas alcoólicas adulteradas. Especialista esclarece quanto aos efeitos, identificação da intoxicação no organismo e quando é aberto o protocolo de morte encefálica. 

Segundo informações divulgadas no dia 6/10 pelo boletim do Ministério da Saúde, já são 225 notificações, das quais 16 foram confirmadas em todo o país e 209 seguem em investigação. O número de mortes também preocupa: 15 óbitos estão sob análise, sendo dois já confirmados em São Paulo. 

A maioria dos casos está concentrada no estado de São Paulo, que responde por 192 registros, incluindo 14 confirmações e 178 investigações em curso. Outros estados afetados incluem Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Mato Grosso, Rondônia, Rio de Janeiro, Paraíba, Piauí e Ceará. Os estados da Bahia e Espírito Santo descartaram os casos inicialmente notificados.
 

Aspectos técnicos e periciais da intoxicação por metanol

A médica Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, explica que a comprovação da intoxicação é feita por meio de análises laboratoriais de amostras biológicas, especialmente sangue, utilizando cromatografia gasosa para detectar metanol e seus metabólitos, como o ácido fórmico. 

Daitx alerta que os efeitos iniciais do metanol podem ser confundidos com os do etanol, mas sua toxicidade é muito mais severa. “O metanol é metabolizado em formaldeído e ácido fórmico, substâncias que causam acidose metabólica grave, cegueira, danos neurológicos irreversíveis e falência de órgãos. Não existe dose segura para consumo humano: concentrações acima de 25 mg/dL no sangue já exigem tratamento intensivo”, enfatiza. 

Segundo ela os casos recentes são atípicos, pois envolvem consumo social de bebidas variadas, o que indica uma possível adulteração em larga escala ou novos canais de distribuição clandestina. A especialista reforça a importância da conscientização pública, da resposta rápida das autoridades e do tratamento precoce, que pode incluir antídotos e hemodiálise para evitar sequelas graves como a cegueira.
 

Casos de morte encefálica e protocolo médico

Entre os casos mais graves, estão vítimas que evoluíram para morte encefálica, como a jovem Bruna Araújo de Souza, de 30 anos em São Bernardo do Campo (SP). Ela morreu após ingerir vodca adulterada com metanol em um bar de São Bernardo do Campo. Bruna apresentou sintomas no dia seguinte e foi internada em estado grave. Após a adoção de protocolo de cuidados paliativos, veio a óbito, sendo a terceira morte confirmada por metanol no estado de São Paulo. O enterro foi realizado ontem (7/10), no Cemitério Memorial Jardim Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo. 

Um homem de 47 anos, internado no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) com suspeita de intoxicação por metanol, apresentou quadro compatível com morte encefálica na noite de segunda-feira (6/10). A informação foi confirmada pela Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) e repassada pelo CIATox-DF. O caso ainda aguarda confirmação oficial do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges-DF), responsável pela administração do hospital. 

A perita esclarece que a morte encefálica é a cessação completa e irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo o tronco encefálico. “O diagnóstico exige exame neurológico rigoroso, ausência de reflexos do tronco cerebral, falta de respiração espontânea e testes confirmatórios como eletroencefalograma (EEG) ou doppler transcraniano para verificar a ausência de fluxo sanguíneo cerebral”.

 

Fonte: Caroline Daitx - médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na Polícia Científica do Paraná e foi diretora científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular, promove cursos para médicos sobre medicina legal e perícia médica. CEO do Centro Avançado de Estudos Periciais - CAEPE, Perícia Médica Popular e Medprotec. Autora do livro “Alma da Perícia”.



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