![]() |
| Freepik |
Não se nasce pai, torna-se pai. Gosto de começar por essa frase porque ela desmonta, de início, a ideia de que a paternidade seja um dado natural ou instintivo.
Mesmo a maternidade, que tantas vezes começa com
sensações físicas — um enjoo, o inchaço, a náusea que precede a consciência da
gravidez — não é uma experiência automaticamente subjetiva. Ainda assim, há um
corte do real no corpo da mulher. E para o homem?
Para o homem, esse processo é muito mais sutil,
elaborado, psíquico. Porque não existem marcas imediatas no corpo. Há, no
entanto, algo tão ou mais profundo: acolher a paternidade. Isto é, implica
revolver identificações antigas, arcaicas até, com o próprio pai. É aí que o
menino reencontra seu herói, ou aquele que faltou, falhou, silenciou.
A função paterna é simbólica por excelência: ela é
a base do que chamamos cultura patriarcal, estruturada ao redor da figura do pater. Ser pai é ocupar
esse lugar. É estar entre dois polos: ser ainda filho, com tudo o que se
recebeu (ou não recebeu), e, ao mesmo tempo, espelhar-se como referência para
um novo ser que chega ao mundo.
É por isso que a paternidade pode ser tão
angustiante. Tocar esse lugar simbólico nos convoca a nos implicar. E muitos
não dão conta. Muitos fogem, “saem fora”, como diz a expressão popular.
E essa saída, essa desimplicação subjetiva, é um dos
silêncios mais profundos da nossa sociedade. Ela reverbera em sintomas:
autoritarismos, hedonismos, vícios, adoecimentos psíquicos. O vazio da função
paterna cobra seu preço.
Mas também vejo outros caminhos. Vejo homens
dispostos a ocupar esse lugar com presença, com afeto, com escuta. Não se trata
de ser um pai perfeito, mas de estar. De poder cuidar, amar, educar,
transmitir.
Para isso, é preciso antes se reconhecer como
filho, reconhecer o legado que recebeu, perdoar as falhas possíveis, metabolizar
as ausências, para então poder seguir com um novo bastão simbólico.
É esse movimento que me interessa: o de homens que
escolhem assumir a paternidade. Que assumem essa travessia com coragem e
delicadeza. Porque, no fim, ser pai é isso: uma construção, uma aposta, uma
possibilidade de transmitir amor.
Maria Homem - psicanalista e
coautora do livro “Coisa de Menino? Uma conversa sobre masculinidade, sexualidade,
misoginia e paternidade”, escrito em parceria com o psicanalista Contardo
Calligaris.

Nenhum comentário:
Postar um comentário