quinta-feira, 1 de maio de 2025

O nome no copo: como os drinks contam histórias e evocam memórias nos bares

Do "Chá da Rainha" ao "Pé de Cana", bar reinventam coquetéis com narrativas afetivas que vão além do sabor — e conectam o público à cultura e às emoções de cada gole


Entre as prateleiras de destilados e os copos decorados com frutas cítricas, há algo menos visível — mas não menos importante — que movimenta o universo dos bares contemporâneos: a memória afetiva. Em tempos em que a experiência é tão valorizada quanto o produto, o drink deixou de ser apenas um objeto de consumo para se tornar uma narrativa líquida. Os nomes, as histórias e os significados por trás de cada coquetel dizem tanto sobre quem os faz quanto sobre quem os escolhe.

No Janela Bar, hoje considerada a maior rede de coquetelaria do Brasil, essa abordagem ganha corpo em um cardápio onde cada drink carrega não apenas ingredientes, mas também nome, origem e até uma personalidade própria. “Percebemos que o cliente não busca só um sabor agradável ou uma apresentação bonita. Ele quer se identificar com o que está bebendo. E o nome é o primeiro elo emocional com o drink”, explica Gustavo de Paiva, sócio da casa.

A estratégia dialoga com um movimento mais amplo da gastronomia afetiva, em que sabores despertam lembranças e rituais individuais. Quando transportada para o universo dos drinks, essa abordagem ganha novas camadas: a bebida passa a funcionar como um microconto — um convite à imaginação.


Releituras e irreverência

Exemplo disso é o Chá da Rainha, que parte de uma provocação histórica. O drink leva gin, toranja, limão e um refrigerante de gengibre artesanal produzido pela casa. A inspiração vem da Rainha Elizabeth II, figura britânica conhecida por seu apreço pelo tradicional chá inglês — mas também por não recusar uma taça de gin. “A ideia era unir duas paixões da monarca e homenagear essa figura que representa tanto a tradição quanto a sofisticação”, conta Gustavo.


O saber popular como ingrediente

A afetividade se expressa também no Pé de Cana, que usa cachaça, maracujá, limão e o mesmo refrigerante de gengibre da casa. O nome surgiu de uma conversa de balcão, quando um cliente nordestino, seu Álvaro, usou o termo popular para descrever os amantes da cachaça. A expressão virou título de drink e carrega, junto ao sabor marcante, a lembrança de uma brasilidade que resiste.

Já o Irlandês Voador é um exemplo de como a releitura pode se transformar em identidade própria. Inspirado no Moscow Mule — tradicionalmente feito com vodca —, o drink troca o destilado por whisky, mantendo os outros elementos. A primeira versão usava whisky irlandês, o que batizou o coquetel. O adjetivo “voador” veio naturalmente: “o efeito do álcool explica o restante”, brinca o bartender.

A irreverência também marca o Russa Loka, outra adaptação do Moscow Mule, agora com adição de morango. A base alcoólica segue sendo a vodca, mas a fruta adoça e suaviza o conjunto, aproximando-o de paladares mais doces. O nome traduz não apenas o teor alcoólico elevado, mas também a persona pensada para o drink — uma figura feminina, noturna, intensa e desinibida.


Afeto, identidade e oralidade

O Seu Jão, por sua vez, leva jambu, limão, xarope de tangerina e o refrigerante de gengibre. A referência é à planta amazônica que provoca leve dormência na boca. “É o nosso drink com jambu, e o nome vem da forma como o público começou a pedir: ‘me vê um Jão’. Ficou”, diz Gustavo. É um exemplo de como a oralidade e o costume moldam a identidade de uma bebida.


Cultura pop e tropicalização

Outro destaque do cardápio é o Bola de Fogo, versão brasileira do popular Fireball — um whisky de canela muito consumido nos Estados Unidos. No Janela, a releitura é feita com vodca de canela e nome traduzido literalmente. Mas há mais: a inspiração passa também pela cultura pop brasileira, com referências ao funk e a personagens caricatos. “O nome e a estética têm que conversar com o público daqui. A gente abrasileirou o conceito”, comenta Gustavo.


Drinks clássicos com alma de rua

Outros drinks mantêm uma pegada mais direta, como o Highlander — mistura de whisky, limão, xarope de tangerina e o já onipresente refrigerante de gengibre —, e a Danada, a versão da casa para a caipirinha: feita com cachaça ou vodca, limão, açúcar e um toque de água tônica. Os nomes são simples, mas eficazes. Evocam imagens, personagens e comportamentos.


A força das histórias no copo

Para além da criatividade, essa lógica também revela uma mudança de comportamento. Em um cenário onde a estética e a experiência se tornaram fatores de escolha tão importantes quanto o sabor, bares que investem em drinks com histórias ganham destaque e, muitas vezes, fidelizam o público por meio de uma conexão mais profunda. O drink vira identidade.

No Janela, o repertório segue em expansão. E a fórmula que mistura ingredientes, afeto e bom humor continua a ser o grande diferencial. “Mais do que uma bebida, a gente vende memória, conversa, personagem. O que está no copo importa, mas o que vem antes o nome, a história, a referência é o que faz o cliente escolher aquele drink e não outro”, finaliza Gustavo.

 

Janela Bar - maior rede de coquetelaria do Brasil


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