Justiniano reinou sobre o mundo que forma a Tradição Ocidental de 527 a 565. Morreu em Constantinopla. O nome da cidade foi uma homenagem a Constantino, outro imperador do mundo (de 306 a 337), instaurador do catolicismo e editor da Bíblia (em Niceia, 325). Ambos, a ferro e fogo, fizeram das suas as vontades gerais.
Constantino
impôs a crença católica como única e necessária. Simplesmente destruiu os
templos das demais religiões e matou o\as discrepantes de seu adotado credo.
Justiniano aprofundou a severidade católica e a fez método de vida. Dentre
outras coisas, Justiniano estabeleceu a moral de restrição dos prazeres do
corpo.
A
inspiração de Justiniano era Teodora, a imperatriz. Ela fora bailarina, atriz e
apreciava sexo. Tinha vida “desregrada”. Justiniano e Teodora perceberam que
uma ideologia religiosa daria “liga” para os povos sob seu domínio. Investiram
nisso. Teodora morreu, Justiniano mandou que se fechassem todos os “lugares em
que se risse”; leia-se: divertir-se.
Eis a
conta: o modo católico de pensar tornou-se imperativo de 306 até 1789
(Revolução Francesa). São 1.600 anos, portanto. Se lembrarmos que o Iluminismo
não se estabeleceu então em Espanha e Portugal, temos que a herança ibérica nos
lega mais desse ascetismo. Nossa compreensão do corpo é a de um lugar de
pecado.
Esse
“pensamento” regia as instituições e os costumes. O Direito Romano (Justiniano
o recuperou) instruía o patriarcado. A ascese (austeridades, disciplinas,
rituais, evitações morais etc. prescritas aos fiéis, tendo em vista a
observação de desígnios divinos e mandamentos sagrados) padronizou as pessoas,
gerando unidade social.
Todo\as,
mais ou menos, estamos prenhes dessa moral que se denomina de cristã. Os locais
em que se ri continuam sob interdição. Embora Jesus tenha absolvido Madalena
(que nem era prostituta, mas cometeu adultério), os cristãos vivem atirando
primeiras pedras nos prostíbulos através dos tempos, conquanto os frequentem e
gostem.
Só muito
recentemente a Justiça começa a ver a coisa de outro modo. Leio no http://xn--empriododireito-xrb.com.br/ “Casa de prostituição não é crime, diz juiz em
sensível sentença inspirada em literatura” (http://migre.me/r5yRE). O magistrado, Denival da Silva, explicita a
hipocrisia da moral religiosa e prestigia a Constituição. Edito:
“Ao mesmo
tempo que cultuavam o aparente zelo e apreço pela instituição familiar, impondo
severas doutrinas machistas como forma de preservação da moralidade e ética,
satisfaziam suas orgias e fantasias mais recônditas nas casas de tolerância,
que a própria sociedade, como o nome está a indicar, permitiu que existissem.
A mulher
de prostíbulo, antes de ofender qualquer bem jurídico, é a grande ofendida,
porque dispõe de sua própria dignidade. E não há bem jurídico mais nobre que a
dignidade humana, tanto que eleito com eixo gravitacional de todas as garantias
constitucionais (art. 1º, III, CF).
O Código
Penal preocupou-se com a prostituição acolhendo a moral-cristã de antão (e de
agora ainda), para ‘preservar’ os valores familiares e sociais. Basta observar
que o legislador intitulou os crimes contra a liberdade sexual e a esta
moralidade com o sugestivo nome: Os Crimes Contra os Costumes (Título VI)
[nota: alterado, em 2009, para Crimes Contra a Dignidade Sexual].
A legislação preocupou-se claramente com a moral-cristã, porquanto de nenhuma relevância jurídico-penal. Para com a mulher prostituta (ou prostituída) não há preocupação da lei, ainda que a Constituição Federal diga que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza… (art. 5º, caput).”
Nas razões de decidir está o fundamento republicano da vida social. Não obstante nos declararmos República em 1889, o republicanismo não nos alcançou plenamente os costumes. Interessante como o Judiciário, ou parte dele – o STF, sobretudo –, tem trazido à nossa conservadora sociedade patamares mais civilizados.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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