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O fisco federal busca acelerar
a realização da receita tributária por todos os meios possíveis e imaginários,
desde as sanções políticas como a inscrição do nome do devedor no CADIN,
protesto da certidão de dívida ativa, bloqueio universal de bens do
devedor, transação de créditos podres e, agora, o uso de inteligência
artificial nos procedimentos e processos administrativos tributários tanto na
esfera administrativa, como na esfera do Judiciário.
Entretanto, esse fisco voraz
não implementou, até hoje, a compensação de precatórios caloteados com créditos
tributários, prevista no §21 do art. 100 da CF. Como se não bastasse todos
esses instrumentos normativos truculentos, que não observam o devido
processo legal, o fisco federal vem aumentando a sua arrecadação por meio da
manipulação da base de cálculo, principalmente no que tange às contribuições
sociais não acumulativas do PIS/COFINS, apegando-se ao velho conceito de
insumos para fins de sua utilização no processo industrial, isto é,
material que é consumido no processo de industrialização, ou que é agregado no
produto industrializado.
Ora, para fins de
comercialização de produtos ou mercadorias, esse conceito é notoriamente
insuficiente, bastando lembrar das embalagens indispensáveis para
comercialização de determinados produtos como remédios, leite em pó ou in
natura, detergentes, pasta dental etc.
Agora, a Procuradoria da
Fazenda Nacional, a pretexto de modernizar os processos administrativos e
judiciais, está empenhada em implementar o uso da inteligência artificial, a
fim de substituir os procedimentos e decisões operados por humanos, um ser
pensante, por robôs, por exemplo, desprovidos de inteligência própria.
Se a máquina promover o
desenquadramento da SUP porque você respondeu à indagação da inteligência
artificial do fisco municipal afirmando que o contrato social da sociedade
uniprofissional contém a palavra “Ltda.”, a inteligência artificial,
programada para entende que a presença da palavra “Ltda.” está a indicar
natureza mercantil da sociedade, não gozando do regime tributário especial
da SUP. Nesse caso, pergunta-se, a quem reclamar? Litigar com uma máquina
não programada para receber impugnações e recursos? Onde fica o devido
processo legal, o contraditório e ampla defesa?
Esclareça-se, por oportuno, que
o devido processo legal significa respeito à lei material e instrumental que
representa a vontade média da população, por ser resultado de
elaboração legislativa por seus legítimos representantes: Senadores,
Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores. Nada tem a ver com a
vontade do aplicador da lei, que não recebeu da população um voto
sequer.
Por isso, ao interpretar a lei
deve observar a regra fundamental da hermenêutica jurídica que consiste na
interpretação da norma de cima para baixo, isto é, a partir da Constituição
escrita, e não segundo a Constituição elaborada pela cúpula do Judiciário para
apreciação de cada caso concreto, resultando em várias Constituições,
disseminando a total insegurança jurídica, em virtude da imprevisibilidade
que resulta dessa atuação proativa do Judiciário.
Os cultores do uso da
inteligência artificial devem ter sabedoria para disciplinar de
forma completa o devido processo digital. Será que conseguem?
Há meses veiculei pela mídia um
artigo intitulado o império da burrice. Ao que
tudo indica, parece que burrice foi alçada ao status de uma ciência.
Naquele texto eu dizia que a
inteligência artificial no Brasil não funcionaria, porque ela não é
auto-operativa, devendo ser programada por um bípede. E aqui surge um problema
incontornável porque, entre nós, a burrice anda em velocidade tal que acaba
atropelando a inteligência artificial, que fica parecendo como algo
demodê.
Outro instrumento jurídico que
poderia agilizar o julgamento de processos nos tribunais superiores – STF e
STJ – é o sistema de precedentes que nos países como os Estados Unidos é
observado à risca.
Entre nós, esse sistema
tornou-se inoperante porque as jurisprudências desses tribunais superiores
mudam segundo a direção do vento que sopra na ilha da fantasia,
também conhecida por Brasília, onde abriga os detentores de poder das três
esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Seus integrantes vivem
completamente alheios à realidade brasileira, às vezes, até invocando
precedentes ou doutrinas alienígenas que nada têm a ver com os textos legais
a serem aplicados a cada caso concreto.
No mundo jurídico nada pode ser
padronizado. Cada caso é um caso. Por isso, a decisão judicial é uma lei
particularizada. Nesse sentido leciona Massami Uyeda, ex-Ministro do STJ:
“Sendo a sentença judicial a especialização do comando abstrato da lei ao
caso concreto, pelo princípio do paralelismo das formas deve ela, para que
possa produzir efeitos em relação às partes, ser “promulgada””1.
Cumpre observar que a decisão
faz lei entre as partes, mas quando proferida pelo STF sob a sistemática
de repercussão geral, ou nos processos de controle concentrado (ADI, ADC
e ADPF) ela surte efeito erga omnes.
Finalmente, diante do novo
Sistema Tributário Nacional aprovado pela confusa Emenda Constitucional nº
132/2023 e sua regulamentação pela Lei Complementar nº 214/2025,
que despejou nada menos que 542 artigos que, somados a parágrafos, incisos
e alíneas, chega a cerca de 1000 normas, criando um verdadeiro inferno
fiscal, não há espaço para atuação da inteligência artificial.
Os autores da regulamentação
sequer conseguiram definir o fato gerador do IBS/CBS de forma objetiva por meio
dos arts. 4º, 5º e 6º que perfazem exatas 63 normas. O art. 4º da lei sob
comento define muito mal o fato gerador do IBS mediante textos dúbios e
confusos.
O art. 5º, por sua vez, partiu
para explicitação do fato gerador do IBS mediante catalogação das
hipóteses de incidência tributária, técnica absolutamente inadmissível,
chegando a incluir operações gratuitas, fazendo confusão com o ITCMD.
Por fim, o art. 6º prescreve
hipótese de inocorrência do fato gerador reescrevendo o óbvio e ululante.
É como discriminar todas as espécies de animais no caput, e no
parágrafo único prescrever que a mosca azul não integra o rol de animais
previsto no caput, nem a onça pintada que tenha até 30 manchas. Daí
as possíveis perguntas: e a mosca verde? E a borboleta azul? E o inseto preto?
E se a onça tiver 30 manchas e meio? Faz-se arredondamento para baixo ou
para cima? A IA é incapaz de responder a essas indagações.
Dessa forma, a definição
imprecisa e imprópria do fato gerador do IBS/CBS, que nada define em
sentido técnico, irá formando uma confusão cada vez mais frequente na
mente dos aplicadores da lei.
Para nós o fato gerador do
IBS/CBS é a operação relativa à circulação de bens materiais e imateriais.
Ponto. Nada mais é preciso dizer. O STF levou décadas para concluir que
“circulação” é jurídica implicando mudança de propriedade ou de posse. Por que
jogar fora esse conceito já pacificado?
Pergunta-se, como é possível à
inteligência artificial atuar nesse mar de confusões que resulta de um
inferno fiscal implantado pela EC nº 132/2023 e aperfeiçoado pela LC nº
214/2025?
Os legisladores, que não têm a
menor ideia do que seja o IBS/CBS, celeremente acolheram as propostas
elaboradas por pessoas de mentes nebulosas e confusas, sem a
menor preocupação com o contribuinte, transformando-o em objeto de
direito, identificado por um carimbo nas costas indicando o número de seu
CPF.
Por derradeiro, indaga-se, quem
irá indenizar os danos causados pela inteligência artificial? O programador? O
órgão que a utilizou? O legislador que implementou essa tecnologia moderna? O
Estado?
Enfim, a inteligência
artificial abrirá um leque de discussões judiciais antes inexistentes,
ou quase inexistentes. Apesar de a indenização por erro judiciário constar
no inciso LXXV, do art. 5º da CF, na prática, quase não acontece. Um dos
maiores erros judiciários do País foi a condenação dos irmãos Naves pelo
suposto assassinato de Benedito Maira, em 1937. Em 1946, os condenados
foram absolvidos do crime e foram indenizados pelo Estado.
Kiyoshi Harada - Especialista em Direito Tributário e Ciência das Finanças, é Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas
Fonte: https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/o-uso-da-inteligencia-artificial-nos-procedimentos-e-processos-tributarios
1Da competência em matéria administrativa. São Paulo: Icone Editora, 1997, p. 74.

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