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A heparina quando nebulizada atua diretamente nas vias respiratórias, com pouco efeito sistêmico Freepik |
No auge da pandemia, foi administrada a pacientes com COVID-19 grave uma formulação enriquecida e inalável do fármaco. Resultados do estudo, conduzido na Unesp de Botucatu, sugerem que a estratégia pode ser útil contra pneumonia, bronquiolite e outras condições que envolvem inflamação das vias aéreas
Na época em que a pandemia de
COVID-19 atingia seu auge no Brasil, em 2021, 27 pessoas acometidas pela forma
grave da doença e internadas no Hospital das Clínicas de Botucatu (SP) foram
tratadas com uma formulação inovadora e inalável de heparina – medicamento
amplamente usado para prevenir coágulos sanguíneos.
Sete dias depois, os médicos
notaram que os pacientes já não apresentavam inflamação pulmonar, uma das
características mais preocupantes da COVID-19. Além disso, a necessidade de
oxigênio havia diminuído entre os indivíduos tratados.
Os testes foram conduzidos no
âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP. E os resultados foram divulgados na
revista Scientific Reports.
Foi administrada aos pacientes
uma formulação de heparina não fracionada enriquecida – substância patenteada
que apresenta uma composição estrutural um pouco diferente da heparina comum,
em que moléculas de baixo peso molecular são removidas para conferir ao fármaco
maior efeito anti-inflamatório.
Além de demonstrar o potencial
terapêutico desse tipo de heparina para pacientes com COVID-19, o estudo
levanta a hipótese de que talvez seja possível empregar o fármaco no tratamento
de outras doenças inflamatórias pulmonares, como pneumonia, bronquiolite e
atelectasia (colapso e obstrução dos brônquios), por exemplo.
“No auge da pandemia,
precisávamos buscar ou descartar tratamentos para a COVID-19 por meio de estudos
sérios e consistentes. Testes in vitro apontavam para um
possível efeito antiviral e anti-inflamatório da heparina. Em nosso trabalho, o
efeito antiviral não foi demonstrado em humanos. Apenas o efeito
anti-inflamatório foi notado, mas não com a robustez necessária para que a
heparina não fracionada enriquecida inalatória pudesse ser incluída, naquele
momento, nos protocolos de tratamento da COVID-19 grave. De lá para cá, a
pandemia arrefeceu. Mesmo assim, trata-se de uma descoberta importante, visto que
esse tipo de heparina desponta como uma substância promissora para tratar
outras agressões pulmonares”, diz à Agência FAPESP Carlos Fortaleza, diretor da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual
Paulista (FMB-Unesp) e coordenador da pesquisa.
Também participaram
pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas
(Unicamp), Federal de São Paulo (Unifesp) e Keele (Reino Unido).
Efeitos
variados
As propriedades
anticoagulantes, anti-inflamatórias e possivelmente antivirais da heparina têm
sido muito debatidas na ciência. Testes realizados em animais, antes da
pandemia, haviam demonstrado que a substância, quando inalada, reduz a
coagulação pulmonar em diferentes situações clínicas. Também foi associada a
melhor suporte ventilatório, redução de atelectasia e otimização da eliminação
de dióxido de carbono (CO2).
No estudo feito na Unesp, os
pesquisadores optaram por administrar o medicamento pela via inalatória em vez
da injeção subcutânea, que é a forma convencional, para evitar o risco de
sangramentos. “A heparina quando nebulizada atua diretamente nas vias
respiratórias, não sendo significativamente absorvida pela corrente sanguínea”,
explica Matheus Bertanha, professor da FMB-Unesp e um dos desenvolvedores da formulação usada no
estudo.
“Nossas descobertas indicam que
a heparina não fracionada enriquecida não induziu alteração nos parâmetros de
coagulação em comparação ao grupo placebo. Além disso, nenhum evento adverso
hemorrágico foi observado, sugerindo seu potencial como um medicamento seguro
nas condições aplicadas”, acrescentou.
Bertanha explica que a
formulação enriquecida conta principalmente com moléculas de cadeias grandes.
“Isso é positivo, visto que as moléculas de cadeias menores têm maior cinética,
o que faz com que elas atinjam primeiro o alvo, limitando a ação das cadeias
maiores, mais efetivas. Com a heparina não fracionada enriquecida que
desenvolvemos a interação das cadeias maiores com o vírus torna a molécula mais
efetiva em inibir a infecção”, explica.
O uso de heparina injetável já
tinha sido associado ao tratamento de COVID-19 e à prevenção das complicações
trombóticas da doença em uma linha de pesquisa liderada pela médica Elnara Negri, da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) (leia mais
em: agencia.fapesp.br/49914).
“É preciso ressaltar que são
mecanismos diferentes. Para evitar a formação de coágulos em decorrência da COVID-19,
a heparina precisa atuar diretamente no sangue, sendo injetada. Já a nossa
ideia com esse trabalho era que a substância não tivesse uma disseminação
sistêmica. Precisávamos que a heparina não fracionada enriquecida fosse
diretamente para o pulmão, pois o objetivo não era eliminar a trombose, mas
obter uma ação local nas vias aéreas”, explica Fortaleza.
Mais
estudos
Os testes com a heparina de
alto peso molecular inalada mostraram uma melhora na imagem de tomografia do
pulmão de todos os pacientes, além de redução da necessidade de oxigenação e
diminuição da resposta inflamatória.
Segundo Fortaleza, foram feitas
análises algorítmicas para medir a inflamação por meio do acometimento
pulmonar. “Isso permitiu determinar a ação inflamatória da heparina não
fracionada enriquecida. Não se trata de uma bala mágica contra a COVID-19, mas
o estudo demonstra o potencial do fármaco para tratar condições cuja
característica patológica seja a inflamação pulmonar”, avalia.
Bertanha ressalta a necessidade
de novos estudos também para avaliar a dose ideal a ser usada em cada caso.
“Tudo indica que a heparina de alto peso molecular seja um importante
adjuvante, que pode trazer solução para várias doenças ainda sem tratamento
específico. Esses resultados justificam a necessidade de avançarmos na
realização de novos testes clínicos”, defende o pesquisador.
O artigo Nebulized
enriched heparin improves respiratory parameters in patients with COVID-19: a
phase I/II randomized and triple-blind clinical trial pode ser lido
em: www.nature.com/articles/s41598-024-70064-8.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/normalmente-usada-como-anticoagulante-heparina-mostra-potencial-para-tratar-inflamacao-pulmonar/54177
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