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Endocrinologista tem no triatlo seu "ansiolítico natural", garantindo bem-estar mesmo em meio à rotina intensa Créditos: Arquivo pessoal |
Burnout atinge
cada vez mais médicos e enfermeiros; dados do INSS indicam aumento de 1.000%
nos diagnósticos da síndrome no Brasil nos últimos dez anos
“Durante minha residência, eu estava muito sobrecarregada
e evoluindo para um burnout. A dedicação que esse período
da formação exige não me permitia ter um tempo de qualidade, e eu não estava
bem”. O relato da endocrinologista e médica do esporte Luiza Esteves reflete a
realidade de muitos profissionais da saúde, que enfrentam longas jornadas e
decisões de impacto imediato na vida dos pacientes. Um estudo da Afya, hub
de educação e soluções médicas, apontou que cerca de 40% dos médicos no Brasil
apresentam algum transtorno mental, sobretudo ansiedade, depressão e burnout.
Entretanto, engana-se quem pensa que, devido à
sobrecarga da profissão, esses profissionais buscam apenas descanso nos
momentos livres. Muitos encontram alívio trocando a pressão dos hospitais pela
adrenalina e pelo desafio dos esportes.
Válvula de escape
“Em determinado momento, percebi que precisaria de
um tratamento ou teria que encontrar algo que me fizesse muito bem. Foi então
que entendi que o esporte cumpriria esse papel na minha vida”, relata a
endocrinologista. O triatlo tornou-se seu "ansiolítico natural",
permitindo que, mesmo com uma rotina intensa, ela encontrasse equilíbrio. “Para
mim, o triatlo foi mais importante mentalmente do que fisicamente. Como
endocrinologista, conheço os benefícios hormonais e fisiológicos da prática
esportiva, mas pude sentir na pele o quanto contribui para a saúde emocional.
Ele se tornou uma válvula de escape para a ansiedade”, explica a médica, que
atua no Hospital São Marcelino Champagnat, referência em procedimentos de alta
complexidade em Curitiba (PR).
A enfermeira do Hospital Universitário Cajuru,
Nadira Francisca dos Santos, compartilha uma experiência semelhante. Para ela,
a corrida é um meio de aliviar a agitação e o estresse acumulados no dia a dia
de uma instituição com atendimento 100% SUS em casos de trauma. “ Comecei a me exercitar por indicação de amigos e, depois de tentar musculação sem sucesso, passei a correr. No início, alternava entre corrida e caminhada, mas fui evoluindo e pegando
gosto pelo esporte. Com o tempo, participei de algumas provas menores até
encarar minha primeira maratona, a de Curitiba, há dois anos. Cruzar a linha de
chegada foi uma das maiores conquistas da minha vida”, conta Nadira.
Para André Covolan, anestesiologista do Hospital
São Marcelino Champagnat, a sensação de superação na escalada é a chave para
aliviar o peso da rotina. “Comecei há cerca de 10 anos, inicialmente pelo
contato com a natureza. Mas, com o passar do tempo, percebi que é um esporte
que me permite ter uma evolução tanto física quanto mental. Muitas vezes, ao
olhar para baixo, vejo até onde cheguei e sinto uma força renovada, uma
capacidade real de superar obstáculos”, explica o médico, que já participou
cinco vezes da prova El Cruce, nas montanhas da Patagônia,
na Argentina. Além disso, a escalada proporcionou momentos valiosos com a
família. “Ela superou minhas expectativas, especialmente quando comecei a
ensiná-la ao meu filho de cinco anos. Criar esse vínculo foi algo muito além do
que eu esperava do esporte”, comenta.
Medicina e esporte entrelaçados
A relação entre medicina e esporte vai muito além
do bem-estar físico. Para os médicos, a prática esportiva agrega aprendizados
fundamentais que se refletem no exercício da profissão. “Existe uma forte
ligação entre teoria e prática. É difícil ensinar alguém a fazer algo se você
mesmo não faz. Ao vivenciar o esporte diariamente, compreendo melhor a
realidade de um paciente atleta ou de quem deseja começar a treinar”, esclarece
Luiza. “Além disso,o esporte ensina lições valiosas que podem ser aplicadas no
consultório. O triatlo, por exemplo, mostra a importância de ter um objetivo
claro. Em subidas e descidas, seguimos o percurso. Na trajetória profissional,
é a mesma coisa: às vezes estamos bem, outras vezes não, mas o importante é não
perder o foco e dar sempre o nosso melhor”, enfatiza.
O anestesiologista André Covolan destaca que a
prática esportiva também aprimora a capacidade de lidar com situações críticas,
uma habilidade fundamental na medicina. “A escalada e outras modalidades vão
além da atividade física: são um treino constante que prepara não apenas o
atleta, mas também o profissional e o ser humano para enfrentar desafios
diários, especialmente no ambiente médico e cirúrgico. Além de fortalecer o
corpo, contribuindo em situações críticas, como paradas cardíacas, também
desenvolvem um preparo mental sólido, capacitando-nos para enfrentar
adversidades com resistência e clareza, qualidades indispensáveis no nosso
trabalho”, argumenta.
Qualidade de vida além do
consultório
A alta incidência de transtornos mentais entre
profissionais da saúde, intensificada após a pandemia, reforça a necessidade de
adotar hábitos que promovam mais qualidade de vida também para aqueles que são
responsáveis por salvá-las diariamente. “Se eu pudesse dar um conselho para
outros profissionais de saúde que estejam sobrecarregados, seria: pratiquem
esportes. Eles transformam o bem-estar, aumentam a disposição e fortalecem a
autoestima, refletindo diretamente na atuação profissional”, finaliza Nadira.
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