Dia Nacional de Combate ao Trabalho
Escravo: um olhar solidário e transformador
O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, celebrado em 28 de
janeiro, representa uma oportunidade crucial para refletirmos sobre uma das
mais graves violações dos direitos humanos ainda existentes: a exploração de
pessoas em condições análogas à escravidão. Embora avanços legais e
institucionais tenham sido alcançados, o trabalho escravo permanece uma
realidade no Brasil e no mundo, adaptando-se às circunstâncias contemporâneas e
muitas vezes passando despercebido, mesmo diante de nossos próprios olhos, como
acontece nos casos de trabalho análogo à escrividão em âmbito doméstico.
No Brasil, o trabalho escravo está previsto no artigo 149 do
Código Penal como sendo a redução de uma pessoa à condição análoga à de
escravo, sendo caracterizado pela submissão ao trabalho forçado ou a jornadas
exaustivas, a sujeição à condições degradantes de trabalho, com ou sem
restrição de locomoção. No campo normativo brasileiro, o conceito transcende o
trabalho compulsório (ou seja: o trabalho sem o consentimento da vítima)
e inclui situações que ferem a dignidade humana e os direitos fundamentais do
trabalhador. É neste sentido que a caracterização do trabalho análogo à escravo
independe de consentimento.
Como se pode imaginar, o trabalho escravo contemporâneo é muito diferente
das imagens históricas de correntes e senzalas. Ele se manifesta de forma
sutil, mas igualmente cruel, em carvoarias, plantações, oficinas de costura e
até em indústrias automobilísticas. Nas cidades, o famigerado “quartinho de
empregada” pode representar a atualização da senzala colonial. É que,
passados 136 anos da promulgação da Lei Áurea, o Brasil ainda não conseguiu se
livrar desse mal. Somente no ano de 2023, 3.240 trabalhadores foram resgatados
de condições análogas à escravidão no País, número 57% superior ao de 2022.
Em processo de atualização, após 16 anos, o “Plano Nacional
para Erradicação do Trabalho Escravo” vai incluir o trabalho doméstico
entre as práticas de escravidão contemporâneas a serem combatidas com
prioridade. Muitas das vítimas dessa forma de exploração nem sequer são capazes
de identificar o regime de servidão a que estão submetidas. Isto porque, em
grande medida, as domésticas resgatadas, por vezes, são entregues aos patrões
enquanto crianças, na expectativa de ter acesso a melhores oportunidades. Não
obstante a isso, verifica-se, na prática, que elas acabam por serem condenadas
a uma situação de total subserviência, já que se mantém longe da educação
formal, sem ler e nem escrever; algumas são portadoras de deficiências físicas
ou mentais não tratadas; costumam estabelecer uma dependência emocional
gigantesca com os exploradores de sua mão de obra, tendo em vista a falta de
interação social; e muitas nem sequer recebem salário. Afinal, “são quase da
família” – como costuma ser a linha de defesa de seus empregadores.
Para combater essa prática, é essencial investir em educação e
conscientização. Muitos trabalhadores desconhecem seus direitos ou aceitam
condições indignas por necessidade. Campanhas de informação são fundamentais
para empoderar essas pessoas. Além disso, é vital que a sociedade civil
participe ativamente, denunciando situações suspeitas de trabalho escravo
através de canais como o Disque 100 ou o aplicativo "MPT Pardal".
A fiscalização também desempenha um papel essencial.
Os desafios para erradicar o trabalho escravo no Brasil são
muitos. A extensão territorial dificulta a fiscalização em regiões remotas,
onde a exploração costuma ser mais evidente. A vulnerabilidade socioeconômica é
outro fator, pois a pobreza extrema empurra indivíduos para situações de
exploração. Também, é desafiador lidar com a sujeição das pessoas com
deficiência ao trabalho análogo à escravo, já que se trata de um público que,
muitas vezes, vive na invisibilidade. Visto de tal forma, o maior desafio é a
própria prevenção. É necessário fortalecer políticas públicas de modo a evitar
que pessoas em situação de vulnerabilidade social fiquem expostas ao assédio de
aliciadores de mão de obra escravizada.
O pós-resgate também é bastante desafiador, pois demanda um
trabalho de muitas frentes para amparar a pessoa resgatada e para garantir a
sua ressocialização. Sendo certo que, apesar de todo esforço para a
reconstrução da vida de quem foi resgatado, o Estado ainda deixa a desejar na
punição dos responsáveis pela exploração da mão de obra análoga à de escravos.
Infelizmente, é comum que os valores de multas e ressarcimentos sejam insuficientes
e que ninguém – ao final – seja responsabilizado no âmbito criminal.
Pois bem. O combate ao trabalho escravo exige uma atuação conjunta e constante de governos, empresas, organizações da sociedade civil e de cada cidadão. Conhecer os direitos, denunciar abusos e exigir ações efetivas são passos fundamentais para construir um país mais justo e humano, onde a dignidade de todos seja respeitada e protegida. O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo nos lembra que a luta contra essa violação é um dever coletivo, e que avançar nessa agenda é essencial para alcançar uma sociedade verdadeiramente igualitária.
Thays Brasil - advogada trabalhista com ampla experiência na área. Formada em Administração de empresas com ênfase em Marketing pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e em Direito pela Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina. Possui, ainda, duas pós-graduações em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, a primeira pela Faculdade Damásio de Jesus e a segunda pela Fundação Getúlio Vargas. Com mais de 12 anos de formação, integrou equipes de bancas brasileiras de grande renome, com atuação em processos estratégicos, participando na definição de teses e estratégias processuais e consultivas, bem como na análises de risco e prognósticos de processos. Também atuou perante o Ministério Público do Trabalho. Atualmente, é sócia do escritório Feltrin Brasil Tawada com atuação voltada tanto para área consultiva quanto para o contencioso trabalhista.
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