Nos últimos anos, a inteligência artificial generativa (IAG) tem revolucionado diversos setores, proporcionando inovações impressionantes em criação de conteúdo, personalização de experiências e automação de processos. No entanto, no contexto do Direito do Consumidor, essa tecnologia também representa desafios significativos, especialmente no que tange à proteção contra fraudes e manipulações.
A capacidade da inteligência artificial generativa
de criar textos, imagens, áudios e vídeos com alto grau de realismo traz à tona
riscos concretos para os consumidores. Um dos principais perigos é o uso de
deepfakes em contextos fraudulentos. Empresas e indivíduos mal-intencionados
podem criar vídeos falsos utilizando a imagem e voz de pessoas famosas para
promover produtos ou serviços inexistentes, enganando consumidores e
comprometendo sua segurança econômica, como temos visto corriqueiramente.
Muitos inclusive tem acionado judicialmente as plataformas onde estes vídeos
foram divulgados solicitando a sua remoção.
Além disso, é preocupante a utilização de chatbots
baseados em IAG para simular interações humanas de suporte ao cliente. Esses
sistemas podem ser explorados para coletar dados pessoais sensíveis ou induzir
consumidores a contratações enganosas, violando o direito à informação clara e
adequada garantido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Os casos de fraudes envolvendo inteligência
artificial estão em rápido crescimento. Recentemente, relatos de pessoas que
sofreram golpes por meio de ligações simuladas, onde suas próprias vozes foram
replicadas por IA, demonstram o alcance e o potencial lesivo dessa tecnologia.
Além disso, os deepfakes têm sido utilizados para disseminar campanhas publicitárias
enganosas, induzindo consumidores a realizar transações prejudiciais.
As implicações dessas fraudes são amplas. Além de
danos financeiros imediatos, como perdas monetárias em compras fraudulentas, o
consumidor pode sofrer danos psicológicos, como ansiedade e desconfiança
generalizada. Por outro lado, as empresas que têm sua imagem indevidamente
associada a esses golpes também sofrem, uma vez que a reputação corporativa é
significativamente prejudicada.
Regulamentar o uso de tecnologias emergentes como a
IAG exige uma abordagem multidisciplinar. A legislação existente no âmbito do
Direito do Consumidor deve ser revista para abarcar novos conceitos, como
"autenticidade digital" e "responsabilidade por conteúdo gerado
por IA". Além disso, a fiscalização precisa ser fortalecida, com órgãos de
proteção ao consumidor capacitados a lidar com tecnologias de alta
complexidade.
Por outro lado, o desafio se estende ao campo
internacional. Em um mundo globalizado, conteúdos fraudulentos podem ser
criados em um país e disseminados em outro, dificultando a aplicação de leis
locais. Assim, a cooperação entre nações torna-se essencial para combater o uso
mal-intencionado da IAG.
Diante desse cenário, é imperativo que se adotem
medidas legais, tecnológicas e educacionais para proteger os consumidores:
- Legislação
Atualizada: A
atualização do ordenamento jurídico é essencial para regulamentar o uso de
IAG. É necessário criar normas que responsabilizem civil e criminalmente
aqueles que utilizam a tecnologia para fraudes e violações dos direitos do
consumidor. Atualmente, temos o Marco Regulatório da IA tramitando no
Congresso. É premente que esta legislação avance o mais rápido possível
haja vista o emprego cada vez maior da IA no dia a dia.
- Verificação
de Autenticidade: Empresas e plataformas digitais devem implementar mecanismos de
verificação de autenticidade para conteúdos gerados por IAG, de modo a
evitar a disseminação de deepfakes e publicidade enganosa. Ferramentas de
"marca d'água digital" ou assinaturas criptográficas podem ser
implementadas para identificar conteúdo autêntico.
- Educação
Digital:
Consumidores precisam ser educados sobre os riscos associados à IAG e
orientados sobre como identificar conteúdos fraudulentos. Campanhas de
conscientização podem ser promovidas por órgãos de defesa do consumidor e
entidades governamentais. Essa educação deve incluir o reconhecimento de
deepfakes e dicas práticas sobre como verificar a credibilidade de
informações online.
- Incentivo
à Transparência: As empresas que utilizam IAG devem ser obrigadas a informar
claramente o uso dessa tecnologia em suas interações com consumidores,
promovendo maior transparência e confiança. Essa informação deve ser
acessível e de fácil compreensão, atendendo ao princípio da boa-fé.
- Colaboração
Internacional: Dada a natureza transnacional da IAG, a colaboração entre países é
essencial para estabelecer padrões globais de regulação e compartilhamento
de informações sobre ameaças emergentes. Organizações internacionais podem
desempenhar um papel importante na harmonização de diretrizes e boas
práticas, como a ONU já vem propondo.
- Incentivo
à Inovação Responsável: Políticas públicas devem promover o
desenvolvimento de soluções tecnológicas que combatam fraudes baseadas em
IAG. Iniciativas de pesquisa e desenvolvimento para aprimorar sistemas de
detecção de deepfakes e aplicações de IA para segurança digital são
fundamentais.
A inteligência artificial generativa representa uma
oportunidade significativa para avanços tecnológicos, mas também exige uma
abordagem cuidadosa para proteger os consumidores contra seus potenciais
abusos. Por meio de uma legislação robusta, tecnologias de verificação,
educação digital e cooperação internacional, será possível mitigar os riscos e
garantir um mercado mais seguro e justo para todos. Nesse sentido, é essencial
equilibrar o incentivo à inovação com a proteção dos direitos fundamentais dos
consumidores, assegurando que os avanços tecnológicos sejam utilizados de
maneira ética e responsável.
Andrea
Motolla - advogada, com especialização em direito empresarial, em processo civil
e direito do Consumidor
Nenhum comentário:
Postar um comentário