Pouco conhecimento sobre o tema acaba aumentando discriminação e negligência
Segundo dados do IBGE, cerca de 45 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, das mais diversas modalidades. Dentre essas, existe um tipo considerada invisível, onde a pessoa portadora acaba sofrendo ainda mais discriminação e negligência. São as deficiências ocultas, aquelas que não são visíveis nem aparentes, mas acometem milhões de pessoas.
Pegando como
gancho o Mês Internacional da Pessoa com Deficiência, um momento para refletir
sobre os desafios enfrentados e melhorias que devem ser feitas para garantir
acessibilidade e inclusão social, a Inspirali, principal ecossistema de
educação médica do país, convidou a Dra. Caroline Oliveira Romão, médica
Psiquiatra e professora da UniBH, para esclarecer as principais dúvidas sobre
esta modalidade tão pouco comentada. Confira:
- O que são
deficiências ocultas?
R: Deficiências
ocultas são condições físicas, mentais e/ou neurológicas que não são visíveis a
olho nu, mas que impactam significativamente a vida da pessoa e, dessa forma,
podem ser mal compreendidas, subestimadas ou muitas vezes ignoradas. Uma
deficiência não visível é aquela em que você olha para a pessoa e não
identifica nenhuma da deficiência aparente. Para ajudar nesta identificação
social, foi criado, em 2016 no Reino Unido, o cordão de Girassol, como parte de
uma iniciativa para tornar os aeroportos mais acessíveis, e hoje já é utilizado
também aqui no Brasil.
É um acessório
discreto utilizado como forma de identificar as pessoas com deficiências
ocultas para sinalizar que elas podem precisar de suporte, compreensão ou paciência
em determinada situação. Trata-se de um cordãozinho verde com estampa de
girassol que é muito usado em aeroportos, estações, eventos públicos e outros
lugares que ajudam a promover a inclusão e a acessibilidade. Pode usar o cordão
de girassol todas as pessoas que têm alguma deficiência oculta, como autismo,
TDAH, epilepsia, doenças crônicas como esclerose múltipla, perdas auditivas
moderadas e qualquer outra deficiência não visível que requer algum suporte.
- Quais as
principais deficiências ocultas?
R: As principais são os transtornos do espectro do autismo, as deficiências auditivas, leves e moderadas, alguns transtornos de aprendizagem, por exemplo, a dislexia, o TDAH, que é o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, doenças mentais mais graves como esquizofrenia, epilepsia, algumas doenças autoimunes e neurológicas, por exemplo, Parkinson em estágio inicial, entre outras.
- Pessoas com
deficiência oculta sofrem mais com discriminação? Por quê?
R: O fato da
deficiência não ser visível gera sim muita discriminação, porque eu posso olhar
para a pessoa e não entender, por exemplo, porque ela vai ter uma prioridade na
fila e isso pode causar um julgamento das pessoas. As pessoas que olham de fora
podem achar que a pessoa está tentando se aproveitar daquela situação, então
essa falta de compreensão e de empatia agrava muito o estigma dessas doenças.
Por isso, a criação do cordão de girassol, que eu comentei, para que elas
possam ser identificadas com mais facilidade, evitando esses processos de
discriminação.
É importante
também dizer que o fato de muitas vezes essas deficiências ocultas não serem
visíveis, faz com que as pessoas não acreditem nesses diagnósticos, ou nem os
considerem uma deficiência. Tem a questão também dos espectros, por exemplo, o
transtorno do espectro do autismo, que pode ser mais leve, moderado, severo, e
isso cria essa ideia de que um problema mais leve não vai ser considerado uma
deficiência, sendo que, mesmo as questões mais leves, têm um impacto muito
grande na vida das pessoas.
- O que o SUS
disponibiliza para estas deficiências?
R: O SUS
disponibiliza os mesmos recursos para todas as deficiências. Então, ele oferece
o diagnóstico e acompanhamento médico especializado, do neurologista, do
psiquiatra ou do profissional que se fizer necessário, tratamento
medicamentoso, reabilitação e terapias, pode ser necessário fisioterapia,
psicoterapia, fonoaudiologia. Nesse caso, cada deficiência vai ser tratada de
acordo com a necessidade gerada pela própria deficiência. Programas de saúde
mental, suporte profissional, os CAPS, também podem ser necessários.
- Como
trabalhar a inclusão de pessoas portadoras de deficiências consideradas
ocultas?
R: A primeira
coisa é sempre fazer educação e conscientização das pessoas para quebrar os
estigmas. Criar mais políticas públicas que assegurem acessibilidade e equidade
nos ambientes de trabalho, de estudo e nos ambientes sociais no geral.
Adaptação de métodos de ensino e de avaliação, por exemplo, o tempo adicional
para as provas, as provas em salas separadas, a possibilidade de ter um ledor,
no caso das pessoas com dislexia. E ambientes que sejam, no geral, inclusivos e
respeitem as limitações, oferecendo sempre o suporte que aquela pessoa vá
necessitar. A educação e a conscientização sobre esses problemas é prioridade,
pois eles precisam ser conhecidos para que as pessoas consigam respeitar e que
os portadores de deficiências sejam cada vez mais incluídas na sociedade.
- Quais as
especialidades médicas responsáveis pelas deficiências consideradas ocultas?
R: Podem ser
várias especialidades, dependendo do diagnóstico. Elas são frequentemente
tratadas pela psiquiatria, neurologia, psicologia, algumas deficiências
auditivas necessitam de otorrino, laringologistas, para as doenças autoimunes
já entra mais a reumatologia, os clínicos gerais, fonoaudiologia, terapia
ocupacional, entre outras.
-
Deficiências ocultas costumam ser diagnosticadas em qual fase da vida?
R: Vai depender da
condição. Algumas dessas deficiências ocultas, talvez as que a gente mais se
lembra, são o autismo, o déficit de atenção. Eles geralmente surgem na
infância, mesmo que o diagnóstico seja feito de forma tardia. Os sintomas já
vêm desde o início da vida e outros podem surgir no início da fase adulta ou
com o envelhecimento, vai depender mesmo da condição.
- Uma pessoa
portadora de deficiência oculta pode viver normalmente com independência?
R: Sim. Muitas pessoas
com deficiências ocultas vivem de forma independente, principalmente se elas
tiverem o suporte adequado e o diagnóstico correto. Muitas vezes esse
diagnóstico tem que ser feito o mais precocemente possível para que seja
possível dar esse suporte e criar o acompanhamento e as adaptações que forem
necessárias para aquela pessoa. Claro que o impacto da deficiência em si vai
depender da gravidade de cada caso e de cada condição. Como é o exemplo do
transtorno do espectro do autista, onde as intervenções de nível 1, que é um
autismo considerado mais leve, com menos sintomas, para um autismo de nível 3,
que é um autismo considerado mais severo, com mais sintomas.
Elas podem ser
parecidas, mas o ganho de habilidades pode ser diferente e, com o tempo, você
pode estimular um pouco menos essa criança que está no nível 1 e você precise
continuar estimulando mais fortemente a que está no nível 3, e isso vai variar
no impacto que vai ter na vida dela lá pra frente. O trabalho é sempre esse,
independente da gravidade da condição, estimular sempre a independência e a
autonomia.
- As
deficiências ocultas geralmente têm tratamento? E cura?
R: Muitas delas
não terão uma cura definitiva. Porém, muitas vão ter tratamentos que ajudam
muito a melhorar a qualidade de vida, como terapias, medicamentos, práticas de
reabilitação. Vai depender da condição, mas no geral é possível ter tratamento
e ter uma melhora na qualidade de vida, ainda que não seja possível ter uma
cura.
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