quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Assédio processual como violência de gênero

 A advogada doutora em Direito Civil Danielle Biazi explica que o assédio processual muitas vezes surge como agravante na violência doméstica


O assédio processual no contexto da violência doméstica pode ser caracterizado pela propositura de diversos recursos, incidentes e ações judiciais que visem exclusivamente intimidar, ameaçar e até mesmo sufocar financeiramente a mulher, normalmente ocorrendo em contextos que também envolvem divórcio, guarda de filhos e alimentos.

Exemplos comuns são situações em que o ex-marido propõe ações paralelas imputando alienação parental à ex-mulher, reparação de danos, ou ainda crimes e infrações administrativas (exemplo, denúncias forjadas em conselhos profissionais com o exclusivo fito de instaurar sindicância que vise o receio de perda da profissão da mulher).

A advogada Danielle Biazi, doutora em Direito Civil pela PUCSP, alerta que essa estratégia não apenas sobrecarrega o Judiciário, mas também agrava o sofrimento psicológico e emocional das vítimas, muitas vezes já envolvidas em situações de violência doméstica que, é preciso lembrar, não se limita à violência física, mas também ao abuso moral, psicológico, financeiro e sexual.

De acordo com Biazi, "Muitos agressores utilizam o sistema judicial como uma ferramenta de vingança, prolongando o sofrimento das vítimas por meio de ações judiciais repetitivas e sem fundamento", destaca a advogada.

No âmbito do direito de família, o impacto é igualmente grave. "O assédio processual, muitas vezes, prolonga disputas sobre guarda de filhos e partilha de bens, agravando o desgaste emocional e financeiro das vítimas", acrescenta. Segundo a advogada, essa prática se configura como uma nova forma de violência, na qual o agressor tenta ludibriar o Judiciário para manter o controle sobre a vítima, mesmo após a separação.

Dois exemplos recentes ilustram o fenômeno: a apresentadora Ana Hickmann enfrenta uma série de ações judiciais movidas pelo ex-marido, incluindo pedidos de indenização por danos morais e discussões sobre guarda de filhos. A defesa de Ana classificou as ações como "atos grotescos de assédio processual", visando constrangê-la e prolongar o litígio.

Outro caso envolve a apresentadora Titi Müller, que revelou sofrer violência processual após ser impedida, por liminar, de citar o ex-marido em redes sociais. A separação, marcada por agressões verbais e físicas, estendeu-se no Judiciário, dificultando o término do processo de divórcio.

Em disputas familiares, o desvio do foco original das ações, como questões relativas à guarda de menores, revela o caráter abusivo desses processos. As consequências se estendem para além dos tribunais. As vítimas enfrentam não apenas prejuízos financeiros, mas também graves danos emocionais, além de riscos à carreira, em função de danos à reputação. 

Diante do aumento dos casos, cresce a demanda por uma resposta mais eficaz por parte dos tribunais. Além das indenizações por danos morais, é necessário ampliar a proteção das vítimas contra novos abusos. "A adoção de medidas mais rígidas contra práticas processuais protelatórias é essencial, principalmente nos casos de violência doméstica, onde a demora na resolução dos conflitos pode perpetuar o sofrimento das vítimas", defende Biazi.

Biazi defende uma postura mais ativa do Judiciário e a implementação de juízos especializados que combinem questões de família e violência doméstica. A recente Resolução 492/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que introduz o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, é um passo importante nesse combate. Porém, há um consenso entre especialistas de que ainda são necessárias reformas mais profundas para conter esse tipo de abuso jurídico.

 

Danielle Biazi - advogada, Doutora e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora em cursos de graduação e pós-graduação, e palestrante, também é advogada atuante no Direito Privado, associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e Instituto Brasileiro de Estudos em Responsabilidade Civil (IBERC).


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