Quais seriam os fundamentos para classificar um movimento paredista de abusivo ou ilegal? Depois da Constituição Federal de 1988, após a Lei nº 7783/89, chamada Lei de Greve, o julgamento de greves pelo Judiciário Trabalhista se pautou na classificação do movimento como legal ou ilegal, abusivo ou não abusivo.
Anteriormente à Constituição Federal, a greve era
regulada pela Lei nº 4.330, de 1964. Todavia, a deflagração de movimentos de
paralisação poderia ser considerada como atividade subversiva, com perseguição
pelo regime militar, intervenção em sindicatos, desestimulando os trabalhadores
a qualquer iniciativa, cabendo-lhes o silêncio e o inconformismo sufocado.
E assim foi até 1979, quando eclodiram as greves do
ABC e, contra este fato, não havia regra que pudesse impedir o fortalecimento
das reivindicações, especialmente no campo da reposição salarial em razão do
alto índice de inflação.
Com a Constituição em 1988, houve a revogação da
antiga lei de greve e, pelo artigo 9º, se assegurou o direito fundamental dos
trabalhadores de paralisarem as atividades e de utilizar a greve para defender
os interesses que considerassem legítimos.
Entretanto, a ausência de uma lei que regulamentasse
o exercício do direito de greve criou diversos impasses, entre eles o de saber
se os dias de greve seriam remunerados pelo empregador e, ainda, como seria
colocado fim à greve caso não houvesse acordo entre trabalhadores e
empregadores.
Reclamava-se a necessidade de uma lei sobre a
regulamentação do exercício do direito de greve. Em outras palavras, a garantia
constitucional parecia não ser suficientemente segura para entrar e sair da
greve.
A Justiça do Trabalho chegou a extinguir dissídios
de greve por entender que não era competente por ausência de lei sobre o
assunto. Talvez esse tivesse sido o caminho ideal para que trabalhadores e
empregadores dispusessem com responsabilidade as regras para lidar com as
paralisações. A nova lei apenas deu ao Judiciário os caminhos do julgamento,
pois podia então aplicar a lei. Na prática, a nova lei tem sido frequentemente
descumprida e, nem por isso, a greve deixa de ser considerada um fato jurídico.
Contudo, não consideramos adequado atribuir ao
movimento grevista a sua ilegalidade ou abusividade, pois há um direito maior e
fundamental a ser respeitado que é o direito de greve.
De outro lado, para a greve ser classificada de
abusiva dependeria do mal uso do direito pelos trabalhadores, que seria
enquadrado no conceito de abuso de direito de acordo com o Código Civil, no
artigo 187, carecendo de prova de que o direito tenha sido exercido além dos
“limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
costumes”.
Os fins perseguidos pela paralisação, isto é, sua
motivação pode dar ensejo à ilicitude do movimento, mas se o fim perseguido é
legítimo, a greve não deve ser considerada abusiva ou, ainda, podem ser
abusivos os atos praticados no seu exercício, em especial relativamente a
terceiros. Quando se trata de greve de motivação política, o Judiciário,
equivocadamente a nosso juízo, tem entendido pela abusividade, porque estaria
ausente pretensão de mérito trabalhista ou social.
A abusividade do exercício do direito de greve não
tem em conta os aspectos formais da lei para sua deflagração, mas as razões da
sua motivação, permitindo ao julgador considerar o fato social, isoladamente
dos seus aspectos formais.
Paulo Sergio João - advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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