quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Quase sempre fatal antes dos 40 anos, a malformação arteriovenosa (MAV) cerebral tem tratamento e pode ser diagnosticada com exame de imagem tradicional

 Dr. Feres Chaddad, neurocirurgião e referência mundial em tratamentos de MAV, explica que as dores de cabeça, mudanças bruscas de humor, espasmos, convulsões e até mesmo depressão podem ser sintomas indicativos da doença 

 

Segundo estudos epidemiológicos mais recentes, estima-se que 10 a cada 100 mil pessoas no mundo apresentam uma malformação arteriovenosa (MAV) cerebral. Conhecida por ser uma alteração do sistema vascular extremamente difícil de tratar, a MAV se caracteriza por um enovelado de artérias e veias, malformados e de diferentes tamanhos em formato de bola de lã. Geralmente, se apresentam entre os 20 e os 40 anos.

A MAV é uma comunicação direta e anormal entre uma veia e uma artéria, que prejudica o fluxo sanguíneo e a circulação de oxigênio pelo tecido cerebral. Em condições normais, as artérias transportam o sangue com oxigênio do coração para o cérebro e as veias levam o sangue sem oxigênio para os pulmões.

"Com a MAV, esse sistema é interrompido, o que pode causar o roubo de fluxo sanguíneo em torno dos tecidos adjacentes. Ao deixar essas áreas do cérebro desnutridas, elas atrofiam e começam a perder a função, podendo ocasionar também o rompimento dos vasos, com posterior sangramento (hemorragia) ou dano cerebral", explica o Neurocirurgião Dr. Feres Chaddad, Professor e Chefe da disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP e Chefe da Neurocirurgia da BP -- A Beneficência Portuguesa de São Paulo.


 
Sintomas 
 
A MAV pode se apresentar como um achado em exames de rotina e ou controle ou, quando sintomático, manifestar sintomas clássicos, como cefaleia, tontura, perda da visão, convulsões, déficit cognitivo (falta de atenção, problemas de memória, dificuldade nos estudos ou trabalho), déficits motores, com ou sem alteração sensitiva. A MAV também pode ser identificada após o óbito, no caso de um grande sangramento. Felizmente, uma vez diagnosticada e acompanhada por um especialista, a doença pode ser tratada com sucesso.
 
Para a paciente Gisele Calegari, de 35 anos, foi uma dor de cabeça intensa, seguida de crise convulsiva, que despertou o alerta para a MAV. Ela conta que a descoberta da condição começou em um domingo de manhã, quando acordou extremamente indisposta e apresentando os sintomas que nunca havia manifestado antes.
 
"Fui imediatamente levada ao hospital, onde fiz diversos exames até receber o meu diagnóstico afirmativo para MAV. Passei por vários médicos, que não concordaram com nenhum tipo de tratamento ou intervenção pois minha malformação estava localizada em uma área muito nobre e que, segundo eles, poderia me causar sequelas", relata Gisele.
 
Tendo este diagnóstico, Gisele decidiu consultar com o Dr. Feres Chaddad em São Paulo, que indicou o tratamento da MAV cirurgicamente. Para retirada da extensa MAV, ela foi submetida a uma craniotomia frontoparietal direita e ressecção microcirúrgica sob monitorização eletrofisiológica para aumentar a segurança e evitar sequelas irreversíveis.
 
A maior preocupação desta doença é que, enquanto ela não é tratada, sempre haverá o risco de ocorrer um sangramento espontâneo, que pode levar a comprometimentos neurológicos graves e até ao óbito. No entanto, como informa o Dr. Feres: "A MAV tem cura quando retirada de forma completa, o que promove a restituição da circulação sanguínea normal ao resto do cérebro. Uma vez que um tratamento é iniciado, deve sempre ser finalizado, e sempre ser realizado com o intuito de cura da malformação".


"Tive a sensação como se eu tivesse sobrevivido à um desastre aéreo" 
 
Quando existe a suspeita, o diagnóstico da MAV pode ser feito com tomografias, ressonâncias magnéticas e angiografias digitais, sendo este último o mais importante, pois se trata de um exame dinâmico da circulação cerebral, muito útil para definir o tratamento e os planejamento cirúrgico. Para a publicitária Fernanda Bota, de 38 anos, foi graças à um exame para investigar dor de cabeça, que ela descobriu a sua MAV.
 
"Sempre fui muito ativa fisicamente. Sou bailarina, faço academia, mas sempre tive enxaquecas, muito fortes, além de formigamentos nas mãos, na boca e às vezes me sentia aérea com as dores de cabeça. Ainda assim, elas não eram frequentes. Em 2020 elas aumentaram de frequência, e comecei a apresentar pelo menos 3 dias por mês de dor de cabeça muito forte e atribuía isso ao estresse", salienta a paciente.
 
Depois da consulta com o neurologista, foi detectado que a MAV de Fernanda estava bem próxima à área cerebral responsável pelo movimento (área motora primária), o que poderia levar a sequelas principalmente na região da mão esquerda. Após ser avaliada pelo Dr Feres Chaddad, ela foi submetida à cirurgia para ressecção da lesão vascular.
 
 
"Em um primeiro momento eu fiquei muito assustada, porque a minha MAV já estava com um aneurisma. A minha maior preocupação era ter que viver com isso e não ter cura, mas agora que estou saindo do estado de alerta – eu tive a sensação como se eu tivesse sobrevivido a um desastre aéreo", reforça Fernanda.
 

MAV e AVC 
 
Débora de Carvalho, de 39 anos, recebeu seu diagnóstico de MAV enquanto estava grávida. Ela apresentou um quadro persistente de enjoo e dor de cabeça súbita em um ponto específico da cabeça, que evoluiu e foi diagnosticado como acidente vascular cerebral.

 
Ela procurou o serviço de pronto atendimento, onde foi submetida à drenagem de hematoma e descompressão cerebral de urgência. Infelizmente, ficou para resolução prévia, mas ficou com o movimento do lado esquerdo debilitado, além de perder a visão periférica esquerda. "Mesmo grávida e com muitos riscos, conseguimos fazer o parto através do acompanhamento com o obstetra e com o Dr. Feres. Após algumas semanas, iniciamos o tratamento com uma embolização prévia pré-operatória, seguido da microcirurgia para a retirada da MAV", conta Débora
 
 
Após a recuperação da cirurgia, Débora passou também pela restauração do crânio (cranioplastia), na qual é colocado uma prótese no formado da calota craniana que foi removida na cirurgia da descompressão cerebral. Atualmente, evolui bem com uma recuperação motora total e parcial do campo visual - uma questão neurológica que demora um pouco mais para voltar.
 
"O tipo de tratamento depende das características próprias da MAV e do paciente. O tratamento pode ser: radiocirurgia (realizada com radiação dirigida, sendo preferida em lesões muito pequenas em localizações de difícil acesso), embolização (injeção de substâncias por dentro dos vasos a fim de ocluir os vasos que alimentam a MAV, para diminuir a fluxo de sangue que chega até ela), microcirurgia (isolada ou com prévia embolização da MAV) ou tratamento expectante, quando não existe outra opção terapêutica devido ao alto risco de complicações", complementa Chaddad.
  

 

Feres Chaddad - Professor e Chefe da Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP, Chefe da Neurocirurgia da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo - e um dos maiores especialistas em neurocirurgia no país. É uma referência nacional e internacional no campo da microcirurgia neurológica, com destacada atuação em ensino, pesquisa e prática médica. Atuando como neurocirurgião há mais de duas décadas, tem amplo domínio das mais avançadas técnicas de tratamento de doenças como aneurismas, malformações arteriovenosas cerebrais, cavernomas, epilepsias e tumores que acometem o sistema nervoso.

 

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