terça-feira, 22 de agosto de 2023

“QUEM PAGA A CONTA?” Questões Jurídicas e a Equipe Multidisciplinar em Saúde

Desde a Constituição Federal de 1988, o Brasil apresenta claramente uma Judicialização de sua sociedade, onde as relações sociais, as mais diversas, quando conflituosas, acabam sendo apresentadas ao Poder Judiciário.



A área da Saúde não é uma exceção.

Cabe aqui lembrar que a própria Carta Magna garante o princípio da universalidade da jurisdição, em seu artigo 5, inciso XXXV, garantindo a todos o acesso ao Poder Judiciário. Além do princípio da indeclinabilidade, artigo 126 do CPC, onde não pode o magistrado dispensar a análise de questões judiciais que lhe são submetidas.

A judicialização da medicina é um fenômeno recente no Brasil, apresentando um aumento exponencial nos nossos dias.

Quando falamos em medicina, não estamos restringindo tal fenômeno a figura do médico, mas sim nos referindo a toda a equipe de saúde que atua na assistência à saúde dos pacientes.

Entende-se por Judicialização da Medicina a busca do Poder Judiciário para resolver problemas e conflitos que envolvam a área médica (área da saúde), desde o acesso aos serviços e bens de saúde até a responsabilização dos profissionais pelos atos praticados.

O Conselho Nacional de Justiça constatou que em 2011 tramitavam no Brasil 240.980 processos judiciais que envolviam a área de saúde.



Com certeza esse número atualmente deve ser muito maior.

São duas as principais demandas que “batem” a porta do judiciário: O direito do acesso aos serviços e bens de saúde e as ações de reparação de danos causados por profissionais de saúde.



Acesso aos Serviços e Bens de Saúde

A Constituição Federal de 1988 foi conhecida como a “Constituição Cidadã”, isto porque um de seus pilares, inclusive sendo cláusula pétrea da mesma, é a garantia dos chamados direitos fundamentais.

Dentre estes direitos está o direito a saúde e a vida, compreendidos no princípio da dignidade da pessoa humana, preceito norteador de todo o texto constitucional.

Com base nestes direitos fundamentais, muitos são os que procuram o Poder Judiciário para efetivar o que está garantido em nossa Constituição.

Este fenômeno não limita-se a saúde pública, estendendo-se também a saúde privada, porém de forma diferente.

A chamada saúde complementar não lida com recursos públicos, podendo repassar aos seus clientes de forma direta o custo decorrente desta judicialização, o que é mais difícil na saúde pública, pois dependeria de aumento de repasses nas diferentes esferas governamentais.

Em relação a saúde pública, a inexistência de políticas públicas de saúde que garantam ao cidadão o acesso aos serviços de saúde e aos meios necessários para o seu tratamento, fazem com que o Poder Judiciário acabe determinando a aplicação dos recursos da saúde pública.

Isto verifica-se no dia a dia de quem trabalha em hospitais públicos, onde quase que diariamente algum paciente será internado ou submetido a procedimentos com base em determinações judiciais.

Neste cenário, a aplicação de recursos não está sendo determinada pelo Poder Executivo ou Legislativo, como se espera, mas sim pelo Poder Judiciário.

Não podemos, entretanto, atribuir ao Poder Judiciário o problema, muito menos ao cidadão, mas sim a ineficiência do Estado em efetivar o chamado “mínimo essencial”.

Esta situação está criando dentro do Sistema de Saúde duas classes de pacientes, uma vez que a obtenção de uma decisão judicial favorável acarreta atendimento diferenciado em relação aos outros usuários do sistema.

Quando analisamos tal situação nas Unidades de Terapia Intensiva, Hospitais, filas para cirurgias o problema se agrava.

A inexistência de leitos profissionais da saúde e insuficientes para atender a demanda, faz com que diariamente exista algum tipo de internação por determinação judicial.

Estas internações, muitas vezes por medida liminar, fazem com que a atuação de toda equipe de saúde fique limitada e dificultosa.

A determinação judicial de internação e procedimentos, transfere a decisão de quem necessita ser atendido e tratado da equipe de saúde para os operadores do direito.

Este é o principal problema causado pela judicialização da medicina no que tange aos pedidos de prestação de serviços jurisdicional na área de saúde.

Pode ocorrer que um individuo que necessite mais do atendimento médico ser preterido por outro, pois o segundo recorreu ao Judiciário.



A decisão deixa de ser técnica e passa a ser jurídica.

A reflexão que tem que ser feita é: Como chegar ao ponto de equilíbrio entre a prestação de serviços jurisdicional necessária e a valorização técnica e profissional de saúde, sem esquecer que ambas buscam os mesmos objetivos: "Estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença" DR. JOÃO BAPTISTA.

 

Prof. Dr. João Baptista Opitz Junior - Médico; doutor e mestre em medicina pela faculdade de medicina da usp; pos-doutor em direito penal e garantias constitucionais pela ULM - Buenos Aires; doutor em ciências sociais e jurídicas pela UMSA - Buenos Aires; especialista em medicina do trabalho, medicina legal e pericia médica. Autor do livro "Perícia Médica no Direito" (editora Rideel) e "Perícia Médica - visão trabalhista e previdenciária" (editora Lujur). Autor de várias obras em perícia médica, erro médico e responsabilidade cível; professor e palestrante nas áreas de perícia médica, responsabilidade civil e penal do médico, medicina do trabalho e meio ambiente do trabalho; perito judicial / assistente técnico nas áreas trabalhista, penal, cível e previdenciária; diretor do instituto paulista de higiene, medicina forense e do trabalho. Ex-diretor da sociedade brasileira de perícia médica regional são paulo e ex-diretor jurídico da associação paulista de medicina do trabalho. Ex- membro consultor da comissão de direito de família da OAB-SP. Membro consultor da comissão de direito previdenciário da OAB-SP. Membro consultor da comissão de pericia forense da OAB-SP.
institutopaulistasst

 

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