Atleta brasileiro
sofreu discriminação racial em jogo contra o Valencia e relatou uma série de
insultos em partidas esportivas
O atacante brasileiro Vinicius Junior, do Real
Madrid, enfrentou insultos racistas durante um jogo contra o Valencia, neste
domingo (21), o que resultou na interrupção da partida por alguns minutos e
expulsão do jogador após confusão. Esses incidentes recorrentes mostram a
seriedade do problema da discriminação racial no esporte. Partindo de uma
compreensão jurídica sobre tais crimes, Victor Quintiere, professor de Direito
Penal do Centro Universitário de Brasília (CEUB), comenta as leis relacionadas
ao racismo e analisa possíveis repercussões nas legislações europeia e
brasileira.
Quais são as principais leis que abordam os crimes de racismo no esporte – na Espanha e no Brasil?
VQ Na Espanha, a proteção internacional contra a violência no esporte,
estabelecida pelo Conselho da Europa, foi complementada a partir de 2000 por
meio de uma resolução que trata da prevenção do racismo, xenofobia e
intolerância no esporte. Também existem recomendações que abordam o papel das
medidas sociais e educacionais na prevenção da violência no esporte, bem como
um manual de referência sobre o assunto. Outro marco importante é a Instrução
Internacional sobre o Tratamento de Todas as Formas de Discriminação Racial,
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução 2106 de
21 de dezembro de 1965, e ratificada pela Espanha em 13 de setembro de 1968.
Essa é uma norma internacional que foi incorporada à legislação espanhola pela
Lei 62/2003, que estabeleceu o quadro jurídico para o combate à discriminação
racial e étnica em todas as áreas.
Já no Brasil, a Lei 7.716/1989 define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor. Vale ressaltar que o racismo é
uma prática vedada pela Constituição, sendo que o Estado brasileiro se
posiciona contrariamente a esse tipo de discriminação. As mudanças recentes
introduzidas pela Lei 14.1532/2023, incluem expressamente o crime de injúria
racial, antes previsto separadamente no Código Penal, e o Supremo Tribunal
Federal tem analisado questões comuns tanto em relação ao racismo quanto à
injúria racial.
Ressalto que há diferença entre injúria racial e
racismo. No racismo, o objetivo é atingir pessoas de uma determinada etnia ou
grupo de forma indiscriminada, enquanto na injúria racial há uma vítima ou
vítimas pré-determinadas. Ambos são crimes e devem ser combatidos tanto na
perspectiva repressiva quanto preventiva, sendo uma questão de educação da
sociedade e da sociedade como um todo.
Quais são as diferenças entre racismo no esporte e outros tipos de racismo? Existem leis específicas que tratam dessas questões?
VQ Em ambos existe um crime configurado, o racismo. No entanto, a grande
questão está no modo pelo qual esse crime se manifesta. Por exemplo, na Lei
7.716/1989, no artigo 3º, a conduta é punida com dois a cinco anos de reclusão,
que consiste em impedir ou obstruir o acesso de uma pessoa habilitada a
qualquer cargo na administração direta ou indireta, bem como em concessionárias
de serviços públicos. Essa é uma forma específica de racismo abordada pela lei.
Outra forma de racismo é tratada no artigo 6º da
mesma lei, que criminaliza a recusa, negação ou impedimento de inscrição ou
ingresso de um aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de
qualquer grau. Portanto, a lei define uma série de condutas, sejam comissivas
ou omissivas, que se configuram como diferentes modalidades de racismo.
No caso de Vinícius Júnior, tratou-se de um crime
de racismo praticado no contexto de uma competição esportiva. No Brasil, a lei
aborda especificamente o racismo no esporte no artigo 20 e em outros
dispositivos. Por exemplo, o artigo 9º trata do crime de impedir o acesso ou
recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversão ou clubes
sociais abertos ao público. Já o parágrafo 2ºA do artigo 20 trata do crime de praticar,
induzir ou incitar a discriminação, preconceito de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional.
O parágrafo 2ºA ainda estabelece que se qualquer um
dos crimes previstos nesse artigo for cometido no contexto de atividades
esportivas, artísticas, religiosas ou culturais, a pena é de dois a cinco anos
de reclusão, além de multa, e é imposta também a proibição de frequência aos
locais onde ocorrem as práticas esportivas, artísticas ou culturais por um
período de três anos, conforme o caso. Essas disposições legais específicas
destacam as particularidades e as circunstâncias em que o racismo ocorre no
contexto esportivo, com consequências e penas diferenciadas para esses casos.
Quais são as possíveis consequências legais para
quem comete de crimes de racismo? Elas variam dependendo da gravidade do ato?
VQ No Brasil esses crimes são punidos com pena de reclusão. Isso significa que,
na teoria, a pessoa pode ser submetida à prisão efetiva, sem a possibilidade de
conversão da pena em restritivas de direitos. Além disso, é importante
ressaltar que o crime de racismo é imprescritível, de acordo com a
jurisprudência brasileira e a própria Constituição.
Tanto o racismo, que já está previsto na
Constituição, quanto a injúria racial, que foi equiparada a crime de racismo
pelo Supremo Tribunal Federal, têm consequências graves legalmente previstas. A
gravidade do crime e a quantidade de pena variam de acordo com o caso concreto,
e esses aspectos são considerados pelo juiz ou juíza ao determinar a dosimetria
da pena.
Como funciona o processo de denúncia de um caso de racismo? Quais são as etapas envolvidas e qual é o papel das autoridades esportivas e das autoridades legais nesse processo?
VQ A vítima deve procurar as autoridades públicas competentes, como a polícia
ou o Ministério Público. No Brasil, é iniciada uma investigação com base na
denúncia apresentada. Após a investigação, se houver indícios suficientes de
autoria e materialidade do crime, o Ministério Público pode oferecer a denúncia
contra o acusado. Em seguida, o acusado é intimado a apresentar sua resposta à
acusação. Posteriormente, é marcada uma audiência para o julgamento do caso,
caso a denúncia seja mantida. Durante a audiência, as partes envolvidas,
incluindo a vítima, testemunhas e o acusado, são ouvidas. Ao final do processo,
o juiz profere uma sentença, na qual pode condenar ou absolver o acusado com
base nas provas e argumentos apresentados durante o julgamento.
Quais são os direitos das vítimas de racismo? Elas podem buscar indenizações ou compensações pelos danos sofridos?
VQ A Lei 7.716 prevê penas privativas de liberdade, que podem incluir a
proibição de frequentar determinados lugares. Essas sanções são aplicadas às
pessoas físicas envolvidas no crime. Em relação à vítima, ela tem o direito de
ver o agressor processado criminalmente pelo crime de racismo. Além disso, no
âmbito cível, a vítima pode pleitear indenizações por danos morais decorrentes
do episódio de racismo. Tais indenizações podem ser buscadas devido à
humilhação e impacto causados, tanto no presente como no futuro, na vida da
vítima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário