Um tipo de célula de defesa que está em todo o corpo, mas em baixas
quantidades, pode ser uma chave para compreender como se desenvolvem a
obesidade e as lesões no fígado causadas por excesso de medicamentos ou pelo
acúmulo de gordura no órgão.
Em estudo divulgado na
revista Cell Reports, um grupo liderado por pesquisadores da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou que um tipo de linfócito T,
conhecido pela sigla iNKT, contribui para regular a obesidade e está envolvido
nas lesões hepáticas.
“Essa célula está em vários órgãos, mas no tecido adiposo ela parece ter
uma função regulatória, que ajuda a controlar a obesidade. Enquanto no baço e
no fígado ela está envolvida no controle da inflamação. Agora, conseguimos
entender melhor como isso ocorre”, explica Cristhiane Favero Aguiar, primeira
autora do estudo e bolsista de pós-doutorado da FAPESP no
Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
“As iNKT ocorrem numa frequência muito baixa, menos de 1% dos nossos
leucócitos circulantes são desse tipo. No entanto, elas respondem de forma
rápida e intensa a patógenos ou a moléculas que demandam resposta e por isso
têm um papel anti-inflamatório importante em alguns contextos, como no tecido
adiposo”, conta Pedro Moraes-Vieira, professor do
IB-Unicamp apoiado pela FAPESP e
coordenador do estudo.
O
pesquisador explica que, até então, era sabido que, conforme se fica obeso, a
quantidade dessas células diminui. Porém, como isso ocorria ainda era um
mistério. O grupo então usou a técnica de transcriptoma, que mostra tudo o que
é expresso em determinado tecido ou célula. Com isso, encontrou diferentes
genes nas iNKT do tecido adiposo, do baço e do fígado que poderiam ter um papel
importante na sua função.
Mesma
célula, diferentes funções
Em experimentos com camundongos, os pesquisadores observaram que as iNKT
encontradas no fígado e no baço são parecidas do ponto de vista metabólico,
dependendo de glicose para serem ativadas. Ao desativar, nas iNKT encontradas
nesses órgãos, o gene Pkm2, ligado à
produção de glicose, elas tiveram prejudicadas a capacidade de mitigar uma
lesão aguda no fígado.
Por outro lado, as mesmas células encontradas no tecido adiposo dependem
de outro gene, o AMPK, para cumprir sua função
naquele tecido. Quando o gene foi desativado, impedindo a produção de uma
proteína ligada ao metabolismo de lipídios, as células perderam a capacidade de
manter o próprio funcionamento em equilíbrio. Com isso, não podiam mais regular
a inflamação causada pela obesidade no tecido adiposo.
Em outras
análises, os pesquisadores mediram o conteúdo das mitocôndrias – organelas que
produzem energia para a célula – e observaram que no fígado e no baço ele era
similar. No entanto, nas iNKT do tecido adiposo, as mitocôndrias tinham menor
massa e formato mais esférico.
Outras medições
mostraram ainda mais espécies reativas de oxigênio nas iNKT do tecido adiposo,
que podem ser sinal de desequilíbrio do sistema. Além disso, detectaram
presença maior de proteínas do metabolismo de ácidos graxos, ligados à
obesidade.
Esses
resultados sugerem que o microambiente em torno das células influencia o perfil
imunometabólico das iNKT, o que pode ter consequências diretas para a sua
funcionalidade.
Os
pesquisadores então injetaram, em camundongos obesos, iNKT saudáveis retiradas
de tecido adiposo, o que fez com que os animais emagrecessem. O efeito não foi
observado quando injetadas as iNKT que não produziam AMPK.
“Conseguimos
aprofundar o conhecimento sobre a regulação imunometabólica específica de cada
um desses tecidos pelas células iNKT. Isso impacta diretamente o curso das
inflamações causadas por lesão no fígado e pela obesidade”, encerra Aguiar,
atualmente pós-doutoranda no Trinity College de Dublin, na Irlanda.
O estudo contou com a colaboração do professor Alexandre Keller, da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e de grupos da Universidade de São
Paulo (USP). Também teve apoio da FAPESP por meio de outros oito projetos (13/07607-8, 15/15626-8, 19/25973-8, 19/19435-3, 19/06372-3, 19/11490-5, 21/11200-7 e 18/21018-9).
O artigo Tissue-specific metabolic profile drives iNKT
cell function during obesity and liver injury pode ser lido
em: www.cell.com/cell-reports/fulltext/S2211-1247(23)00046-3.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/celula-de-defesa-tem-papel-importante-na-regulacao-da-inflamacao-causada-pela-obesidade-aponta-estudo/41415/
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