Iniciamos o ano com várias e tristes surpresas no Brasil. Tivemos os atos de 08 de janeiro, o escândalo da Americanas e o desastre no litoral norte paulista.
Agora,
quando falamos no caso Americanas fica difícil afirmar que durante 10 anos
nenhum colaborador não tinha conhecimento do que acontecia na parte contábil.
Ademais, era público que um dos sócios tinha papel relevante nesta empresa. A
primeira estratégia utilizada pelos sócios foi pela negação, ou melhor, pela
alegação de cegueira deliberada desde o início do caso.
Entretanto,
a estratégia inicial não deu certo e foi iniciada uma batalha jurídica com os
bancos, maiores credores, que buscaram seus direitos creditórios junto a
justiça brasileira. Consequentemente, a nova estratégia aplicada foi a
contratação, pela Americanas, de renomadas bancas jurídicas para se defender.
Em paralelo, entraram com o pedido de recuperação judicial na esperança de que
o BNDES pudesse “salvar” a empresa, principalmente mediante o apelo dos
milhares de colaboradores que poderiam perder seus empregos, mas a resposta
negativa foi clara e assertiva: Não vamos colocar dinheiro em uma empresa que,
na figura de seus acionistas, possuem capital mais do que suficiente para
recuperar a empresa.
Após
essa tentativa frustrada, nova estratégia foi colocada na mesa, através da
contratação de uma empresa especializada e de renome para atuar na renegociação
com os credores. As solicitações desta empresa foram, no mínimo, ultrajantes,
ao pedirem aos maiores credores um deságio de 50% para começarem a negociar.
Novamente, voltaram à estaca zero e, em paralelo, as ações judiciais ficaram
ainda mais intensas, alcançando as mídias e noticiários diariamente.
Neste
momento, foi definida a criação de um Comitê Independente para investigar o que
ocorreu de fato, no entanto, em uma gestão de crises eficiente é fundamental a
existência de um porta-voz para transmitir os acontecimentos e deixar os
stakeholder cientes do que tem sido investigado.
Entre
um fato e outro, começaram a serem publicadas notícias sobre a conduta dos
Conselheiros que perguntavam sobre o risco casado. Fica a grande dúvida, são
realmente independentes os contratados, ou membros, deste Comitê? Afinal, os
honorários são pagos pela Americanas. Vão de fato chegar à causa raiz e expor
os responsáveis, não importa quem sejam os mesmos? Ou seria mais uma estratégia
para tentar criar uma ilusão que querem descobrir a verdade. Ademais, temos
membros deste Comitê que, aparentemente, possuem fortes conflitos de
interesses, pelo simples fato de atuarem no Comitê ao mesmo tempo que também
possuem participação em um dos principais credores.
Tendo
em vista que o ato de delegar as negociações passou uma imagem de que não
queriam se expor, os acionistas decidiram voltar ao Brasil para participarem
pessoalmente do processo de negociações, afinal são empreendedores de sucesso
internacional e acreditaram que a figura deles poderia acalmar os ânimos dos
credores. Como estratégia, ofereceram um valor irrisório para injetarem na
empresa, passando a imagem da velha prática da “garantia sou eu”, como se
o sucesso do passado fosse uma confirmação de sucesso futuro. Mas, o mundo dos
negócios mudou, agora não basta mais ser uma figura renomada para garantir
quaisquer operações, existem controles internos e respeito nas empresas como
regra do jogo.
Depois
de muito desgaste, finalmente a última estratégia teve que ser colocada: uma
oferta dos acionistas de injetarem R$ 10 bilhões de reais na Americanas. Tal
montante não cobre o rombo que ainda não foi totalmente apurado, mas pelo menos
gera uma sensação de alívio aos bancos, principais credores.
Apesar
do acima exposto, podemos verificar que as estratégias de negociação causaram
mais danos e exposição a imagem da empresa e dos acionistas, basta acessar uma
rede social e ler os comentários depois de uma notícia sobre a Americanas, com
a mídia extremamente negativa, a empresa literalmente perdeu a credibilidade no
mercado brasileiro.
Se os
acionistas tivessem tido como estratégia inicial uma postura mais transparente,
colaborativa e voltada para a ética, todo o contexto seria totalmente
diferente. Poderiam ter resolvido esta situação em, no máximo um mês, sem
afetar a economia brasileira como de fato aconteceu. Depois do escândalo da
Americanas, os bancos estão mais cautelosos para conceder crédito para outros
varejistas, o que pode levar a um efeito dominó de novas recuperações judiciais
e mais desemprego.
Toda
crise tem que ser gerida com estratégia, de forma bem pensada, estruturada e
com total ética, não é mais possível usar da velha fórmula denominada “sabe com
quem você está negociando?”. Chegou o momento de as crises serem tratadas
mediante o uso de estratégia profissional buscando o “ganha-ganha” de todas as
partes.
Impor
condições unilaterais em uma negociação deste nível, utilizando um status do
passado, passou a ser um ato ultrapassado e pretencioso. O mercado não aceita
mais erros, seja de quem for.
Patricia Punder - advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.
www.punder.adv.br
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