Estudo analisou o impacto do inseticida tiametoxam em três espécies sem ferrão abundantes nas lavouras brasileiras – uruçu nordestina, jataí e mandaguari – e todas se mostraram mais sensíveis ao composto do que a Apis mellifera. Grupo elabora novo protocolo para avaliação de risco ambiental (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
As abelhas nativas uruçu nordestina (Melipona scutellaris),
jataí (Tetragonisca angustula) e mandaguari (Scaptotrigona postica) são mais sensíveis ao agrotóxico
tiametoxam (TMX) do que a Apis mellifera –
espécie com ferrão introduzida no país e adotada como modelo para testes
toxicológicos para aprovação de defensivos agrícolas.
Foi o que
mostrou um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a
Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ao avaliar, pela primeira vez, o
impacto do TMX nas três espécies nativas e sem ferrão, o estudo oferece
subsídios para a elaboração de políticas públicas voltadas à proteção de
insetos polinizadores no Brasil. A redução das populações de abelhas, além de
ser um problema ambiental grave, tem repercussões negativas na produtividade
agrícola.
“O Brasil possui mais de 2 mil espécies de abelhas. Entre as sem ferrão
são quase 500 espécies. É uma diversidade enorme. É claro que não dá para fazer
teste toxicológico em todas elas e com todos os agrotóxicos, mas é preciso
selecionar algumas espécies, além da Apis mellifera, para
entender como é possível criar uma configuração melhor para a proteção desses
insetos no país”, afirma Osmar Malaspina,
professor do Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro e coordenador do
Grupo de Pesquisa em Ecotoxicologia e Conservação de Abelhas (Leca) e do Grupo
de Trabalho para o Desenvolvimento de Métodos para Testes de Toxicidade em
Abelhas Nativas Brasileiras junto à Comissão Internacional para as Relações
Planta-Polinizador (ICPPR, na sigla em inglês).
O estudo, apoiado pela
FAPESP no âmbito do Programa
BIOTA e divulgado na
revista Environmental Pollution, integra um projeto maior, cujo
objetivo é ampliar o entendimento sobre o impacto do uso de agrotóxicos na
população de abelhas nativas sem ferrão (também chamadas de abelhas indígenas)
e embasar a criação de novos protocolos e leis relacionados ao uso de
defensivos agrícolas no país.
Isso porque, atualmente, os ensaios toxicológicos que integram a
avaliação de risco de agrotóxicos seguem as diretrizes estabelecidas pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e praticamente
se restringem à espécie A. mellifera como
modelo biológico. No entanto, o debate sobre a necessidade de reavaliação do
risco ambiental de agrotóxicos tem crescido nas últimas décadas, sobretudo em
regiões tropicais e subtropicais, onde há maior diversidade de espécies de
abelhas.
“As abelhas sem ferrão são altamente afetadas por agrotóxicos, mas os
testes costumam ser feitos apenas com a A. mellifera, que
é uma espécie com ferrão que foi introduzida no Brasil. É uma espécie de origem
europeia”, explica Roberta Cornélio Ferreira Nocelli,
professora do Centro de Ciências Agrárias da UFSCar em Araras, coordenadora do
Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento de Métodos para Testes de Toxicidade
em Abelhas Nativas Brasileiras junto à ICPPR.
No estudo
recentemente publicado, os pesquisadores realizaram uma curva de sensibilidade
para comparar o impacto do agrotóxico em diferentes cenários, além de avaliar a
sensibilidade ao TMX por grama de abelha, já que o tamanho varia entre as
espécies.
“Os resultados mostraram que a A. mellifera é
mais tolerante ao TMX que as três espécies de abelhas sem ferrão em todos os
cenários que avaliamos. Como criamos uma curva de sensibilidade é possível
analisar diferentes cenários também, pois levamos em consideração o peso da
abelha e outros parâmetros relacionados ao consumo do agrotóxico. Isso porque
existem algumas diferenças na toxicidade quando se leva em consideração só o
consumo ou o consumo e o peso”, explica Ana Paula Salomé Lourencetti, primeira
autora do artigo.
Dessa forma, em relação à concentração letal média determinada para as
três espécies de abelhas sem ferrão, o TMX se mostrou mais nocivo para a uruçu,
seguida por jataí, mandaguari e por último a A. mellifera. Já a análise da dose letal média e
levando em consideração o peso das abelhas (dose por micrograma), M. scutellaris foi a mais sensível, seguida
da S. postica, T. angustula e A. mellifera. Nas análises de dose letal média sem
levar em consideração o peso das abelhas, a T. angustula foi
a mais sensível, seguida da M. scutellaris, S. postica e A. mellifera.
“Os resultados do trabalho mostram que, para algumas espécies, a A. mellifera pode ser considerada um bom
parâmetro, mas para outras, não. Portanto, é um indicativo de que precisamos
avaliar com mais cuidado os testes de toxicidade que visam a liberação de
agrotóxicos, pois eles não estão sendo 100% eficientes para proteger as abelhas
nativas brasileiras”, afirma Nocelli.
Políticas
públicas
Estudos anteriores já haviam demonstrado que a sensibilidade das abelhas
aos pesticidas varia de acordo com tamanho, ciclos de vida, metabolismo,
comportamentos, biologia e rotas de exposição. Por isso, ressaltam os
pesquisadores, a extrapolação de dados de toxicidade referentes à A. mellifera para outras espécies de abelhas de
comportamento social e solitário tem sido questionada há anos.
Já em
relação às abelhas sem ferrão, além dessas questões que conferem maior
sensibilidade, o risco se dá por serem espécies abundantes em lavouras e
extremamente expostas a pesticidas.
Por esses
motivos, o grupo de pesquisadores está desenvolvendo um novo protocolo (em
processo de padronização) para abelhas sem ferrão, em que constam possíveis
modelos biológicos para o processo de avaliação de risco ambiental. O trabalho,
coordenado pelos pesquisadores e financiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem o intuito de ampliar os
testes toxicológicos em um maior número de espécies de abelhas para subsidiar a
aprovação e a renovação de registro de defensivos agrícolas.
“O Ibama
[Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] tem
um sistema de avaliação de risco que é único para abelhas na América Latina.
Porém, ele é muito similar ao adotado na Europa e nos Estados Unidos para registro
de agrotóxicos. Por isso, estamos fazendo um trabalho conjunto com órgãos
ambientais para a criação de um protocolo que abranja testes de toxicidade em
abelhas nativas sem ferrão. A política pública tem de estar baseada em um
protocolo padronizado e isso nós não tínhamos ainda para as espécies nativas”,
afirma Nocelli.
A pesquisadora explica que, atualmente, além da A. mellifera, existe um protocolo para outras três
espécies (Bombus terrestres, Osmia cornuta e Osmia lignaria). “Porém, essas também são do hemisfério
Norte. Das três espécies contempladas nos protocolos, nenhuma é nativa do
Brasil. E um dos grandes questionamentos nossos é se esses testes realizados
com a A. mellifera garantem a segurança para as nossas
abelhas”, afirma.
A iniciativa de desenvolver novos protocolos que considerem espécies
nativas é pioneira na América Latina. “Trata-se de um problema complexo e que
precisa ser resolvido. Nesse caso o Brasil está na vanguarda. Até mesmo a
legislação que exige o teste com a A. mellifera é
a única na América do Sul. Só existe isso nos Estados Unidos e na Europa. Agora
é preciso avançar nessa questão das abelhas nativas sem ferrão, até porque a
maioria dessas espécies é nativa, não existe no hemisfério Norte. É um
interesse nosso, pois elas são extremamente importantes em termos de
polinização. Precisamos de legislação que as proteja", ressalta Malaspina.
O artigo Surrogate species in pesticide risk
assessments: Toxicological data of three stingless bees species pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0269749122020577?via%3Dihub.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/abelhas-nativas-sao-mais-sensiveis-a-agrotoxico-que-especie-usada-em-testes-para-aprovacao-de-produtos/41001/
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