Amor tem sido definido como um sentimento de dedicação ao par. O apego do enamorado\a seria espontâneo, desinteressado, sacrificativo, edificante. Isso, suponho, não convence mais ninguém com alguma sensatez. Quem se envolve em relacionamentos amorosos sabe que amantes são possessivo\as, invasivo\as, intentam controlar até pensamento.
Muito\as se tornam desagradáveis, meloso\as,
excessivo\as, para ganhar aceitação. E insistem, desastrosamente, em coisa
evidentemente esgotada. Não poucas vezes, quando as partes não renegam que a
relação findou, os próprios jeitos carinhosos dão lugar a escândalos de ciúmes
e agressões.
Relacionamento: prefiro esse termo, parece-me mais
honesto. Através dos tempos, os relacionamentos variaram muito, mas, em geral,
quem convive afetivamente acredita que ama do modo mais bonito que se pode
amar. Raramente se compreende que modos amorosos padecem, como toda invenção
humana, de historicidade: variam no tempo e no lugar.
Antigamente, quando a maioria das mulheres cumpria a
vida sem ter o gosto de saber se outro homem não seria melhor do que o seu, possivelmente
elas até que acreditavam nisso; pelo menos eram cultivadas aparências de que
sim. Já não perdura, felizmente, essa ingenuidade, ou hipocrisia, talvez.
Hoje até se pode seguir fazendo declarações de
eternidade, mas os pares têm noção de que seu ato de fala quiçá não resista
muito mais do que alguns fins de semana. Então, cada qual procura ou inventa o
seu modo de viver uma paixão muito especial, mas sabe que é coisa efêmera, que
durará tanto tempo quanto seja o tempo que se leve para sentir a paixão
seguinte.
Mas isso não é mau, não; são apenas as novas
circunstâncias da vida. Até alguns anos atrás, mesmo depois da metade do século
anterior, quando nasceram os feminismos, as relações intersubjetivas tinham mão
única. A subjetividade da mulher era subsumida na do homem.
As relações sociais de então, notadamente as relações
domésticas de poder, enquadravam o sexo feminino em um modelo único de
comportamento, com papel específico: recato enquanto esperava arranjar marido,
disciplina de mãe e dona de casa pelo resto dos seus tempos. Talvez fosse
possível uma aventura secreta, mas a aparência praticada era a de produto
selado.
Nesses tempos de submissão, mais que exigida,
esperada, as mulheres viviam sob a regulação moral e a dependência financeira
dos homens, então, o controle não era só sexual, era da própria existência.
Mesmo o nome, forma pública de identidade de uma pessoa, elas o trocavam se
casassem.
Com os meios contraceptivos que as circunstâncias de
trabalho das mulheres durante a Segunda Guerra ajudaram a liberar, embora os
protestos das igrejas cristãs, a mulher conseguiu controlar a natalidade, daí
controlar seu corpo, então seu tempo. Logo foi possível estudar, trabalhar,
ganhar dinheiro, ter independência econômica. O mais foi decorrência.
Desde então, o "sexo frágil" dorme com quem
bem entende, troca de homem quando se incomoda, ama quando é conveniente, e, se
não lhe convém, simplesmente não fala de amor. A mim me parece bem mais bonito
assim. Antes era ritual e formalidade. Há mais poesia nos modos dos dias de
hoje.
Agora dois valores se conjugam: há o afeto dos seres
que se desejam, mas há, também, independência, um sistema de liberdades e interesses
a ser declarado e ajustado. A convivência não é mais a vontade de um, mas
a construção de dois. Não é mais a fidelidade por obrigação, mas a necessidade
de uma sedução permanente, para que o ser desejado deseje permanecer.
É bom que já não se valorize o
ser cativo de dever, mas a companhia, o par que cultiva carinho ou vontade
ardente, a melhor companhia para a construção de uma vida com muitas coisas em
comum. Saber fazer durar. Mas que dure enquanto dure, não mais: que assim seja
só enquanto seja bom.
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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