terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Enquanto seja bom

Amor tem sido definido como um sentimento de dedicação ao par. O apego do enamorado\a seria espontâneo, desinteressado, sacrificativo, edificante. Isso, suponho, não convence mais ninguém com alguma sensatez. Quem se envolve em relacionamentos amorosos sabe que amantes são possessivo\as, invasivo\as, intentam controlar até pensamento. 

Muito\as se tornam desagradáveis, meloso\as, excessivo\as, para ganhar aceitação. E insistem, desastrosamente, em coisa evidentemente esgotada. Não poucas vezes, quando as partes não renegam que a relação findou, os próprios jeitos carinhosos dão lugar a escândalos de ciúmes e agressões.

 

Relacionamento: prefiro esse termo, parece-me mais honesto. Através dos tempos, os relacionamentos variaram muito, mas, em geral, quem convive afetivamente acredita que ama do modo mais bonito que se pode amar. Raramente se compreende que modos amorosos padecem, como toda invenção humana, de historicidade: variam no tempo e no lugar.

 

Antigamente, quando a maioria das mulheres cumpria a vida sem ter o gosto de saber se outro homem não seria melhor do que o seu, possivelmente elas até que acreditavam nisso; pelo menos eram cultivadas aparências de que sim. Já não perdura, felizmente, essa ingenuidade, ou hipocrisia, talvez.

 

Hoje até se pode seguir fazendo declarações de eternidade, mas os pares têm noção de que seu ato de fala quiçá não resista muito mais do que alguns fins de semana. Então, cada qual procura ou inventa o seu modo de viver uma paixão muito especial, mas sabe que é coisa efêmera, que durará tanto tempo quanto seja o tempo que se leve para sentir a paixão seguinte.

 

Mas isso não é mau, não; são apenas as novas circunstâncias da vida. Até alguns anos atrás, mesmo depois da metade do século anterior, quando nasceram os feminismos, as relações intersubjetivas tinham mão única. A subjetividade da mulher era subsumida na do homem.

 

As relações sociais de então, notadamente as relações domésticas de poder, enquadravam o sexo feminino em um modelo único de comportamento, com papel específico: recato enquanto esperava arranjar marido, disciplina de mãe e dona de casa pelo resto dos seus tempos. Talvez fosse possível uma aventura secreta, mas a aparência praticada era a de produto selado.

 

Nesses tempos de submissão, mais que exigida, esperada, as mulheres viviam sob a regulação moral e a dependência financeira dos homens, então, o controle não era só sexual, era da própria existência. Mesmo o nome, forma pública de identidade de uma pessoa, elas o trocavam se casassem.

 

Com os meios contraceptivos que as circunstâncias de trabalho das mulheres durante a Segunda Guerra ajudaram a liberar, embora os protestos das igrejas cristãs, a mulher conseguiu controlar a natalidade, daí controlar seu corpo, então seu tempo. Logo foi possível estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, ter independência econômica. O mais foi decorrência.

 

Desde então, o "sexo frágil" dorme com quem bem entende, troca de homem quando se incomoda, ama quando é conveniente, e, se não lhe convém, simplesmente não fala de amor. A mim me parece bem mais bonito assim. Antes era ritual e formalidade. Há mais poesia nos modos dos dias de hoje.

 

Agora dois valores se conjugam: há o afeto dos seres que se desejam, mas há, também, independência, um sistema de liberdades e interesses a ser declarado e ajustado.  A convivência não é mais a vontade de um, mas a construção de dois. Não é mais a fidelidade por obrigação, mas a necessidade de uma sedução permanente, para que o ser desejado deseje permanecer.

 

É bom que já não se valorize o ser cativo de dever, mas a companhia, o par que cultiva carinho ou vontade ardente, a melhor companhia para a construção de uma vida com muitas coisas em comum. Saber fazer durar. Mas que dure enquanto dure, não mais: que assim seja só enquanto seja bom.

 

Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.


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