Bactérias e levedura tolerantes a radiação solar, escassez hídrica
e variações de temperatura foram encontradas sobre placas fotovoltaicas no
interior paulista. Segundo pesquisadores da UFSCar, algumas delas podem ser
usadas para desenvolver pigmentos e biodetergentes (foto: acervo dos
pesquisadores)
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Só os organismos mais adaptados podem
sobreviver a um ambiente exposto diariamente ao sol e às variações de
temperatura que ocorrem ao longo do dia. Onde a água, quando aparece, não
permanece por muito tempo.
Pesquisadores apoiados pela FAPESP
encontraram um conjunto de bactérias e uma levedura adaptadas a essas condições
em painéis fotovoltaicos, aqueles que transformam a energia solar em elétrica,
instalados nas cidades de Sorocaba e Itatiba, no interior de São Paulo.
O estudo foi publicado na
revista Microbiology Letters, da Federação das Sociedades
Europeias de Microbiologia, e foi escolhido pelos editores do periódico como um
dos destaques da edição.
Por suas
características, os microrganismos encontrados têm grande potencial para o
desenvolvimento de produtos que possam ficar expostos por longos períodos à
radiação solar, como protetores solares, pigmentos para as indústrias de
alimentos, química, têxtil, farmacêutica e cosmética, além de detergentes mais
eficientes para a limpeza dos próprios painéis, com ação antimicrobiana.
“Observamos
que a composição dessa microbiota é muito parecida com a encontrada em painéis
fotovoltaicos em Valência [Espanha], Berkeley [Estados Unidos] e mesmo no
Ártico e na Antártica”, conta Juliane Moura, que realizou o estudo durante seu
mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Monitoramento
Ambiental (PPGBMA) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em Sorocaba,
com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(Capes).
“Ainda que as condições climáticas
sejam diferentes entre os painéis dos países estudados, a superfície do
equipamento abriga uma comunidade de microrganismos adaptada à radiação solar,
à flutuação de temperatura, à escassez de água e ao material de que as placas
são constituídas”, explica Iolanda Duarte, professora do
Departamento de Biologia do Centro de Ciências Humanas e Biológicas (CCHB) da
UFSCar e coordenadora do estudo.
Para
coletar as amostras, os pesquisadores passaram um tecido de algodão embebido em
uma solução estéril sobre módulos fotovoltaicos em Sorocaba e Itatiba. O
material foi então acondicionado e levado para o Laboratório de Microbiologia
Aplicada da UFSCar, onde teve o DNA extraído.
Usando sequenciamento parcial do
gene 16S rRNA, as pesquisadoras encontraram uma composição
microbiana similar entre as amostras analisadas, embora a de Sorocaba, coletada
na zona rural, apresentasse uma diversidade levemente maior.
Os resultados foram parecidos aos dos
trabalhos feitos na Espanha, nos Estados Unidos e nos polos, apesar da
distância geográfica e das diferenças climáticas. Os gêneros bacterianos Methylobacterium-methylorubrum e Hymenobacter representaram mais de 90% da
diversidade observada no estudo.
Biodetergente
Entender
como funciona a comunidade de microrganismos dos painéis fotovoltaicos pode
ajudar até mesmo a manter a eficiência desses equipamentos ao longo do tempo.
No Brasil, estudos já mostraram que a poeira acumulada nas placas pode reduzir
a captação de energia em 11% após 18 meses da instalação. Em desertos, a
redução pode chegar a 39%, passando de 50% quando há eventos extremos, como
tempestades de areia, por exemplo.
Além de
areia e outras partículas, a poeira encontrada nesses equipamentos é rica em microrganismos.
Como estratégia de sobrevivência, algumas bactérias se agrupam nos chamados
biofilmes, películas que acabam recobrindo os painéis e contribuindo para a
redução da captação de radiação solar.
Para uma
próxima fase do trabalho, que não consta no artigo publicado agora, as
pesquisadoras isolaram uma levedura pigmentada, também encontrada nos painéis
solares de regiões de clima frio, que pode produzir biodetergentes.
Essas
moléculas são consideradas versáteis quanto a suas aplicações, uma vez que
possuem características tensoativas, ou seja, reduzem a tensão superficial da
água e, assim, ajudam a misturar água e substâncias insolúveis.
Além
disso, podem ser empregadas como antimicrobianos, antitumorais e em
biorremediação, como é chamado o uso de processos biológicos para degradar,
transformar ou remover contaminantes do ambiente.
“A remoção
de biofilmes é um problema difícil de ser resolvido em muitas atividades
econômicas. Assim, o estudo é fundamental para o desenvolvimento de novas
estratégias de gerenciamento desses painéis. Pesquisas futuras com a levedura
produtora de biodetergente podem oferecer uma alternativa na formulação de
produtos de limpeza mais eficazes para esses e outros equipamentos”, afirma
Duarte.
Extremófilos
Organismos
que suportam condições como as encontradas nos painéis fotovoltaicos são
conhecidos como extremófilos. Alguns dos grupos de bactérias encontrados em
Sorocaba e Itatiba, por exemplo, já foram localizados em amostras de solo dos
desertos de Taklamaken, na China, de Gobi, na Mongólia, e do Atacama, no Chile.
Alguns dos
isolados chamaram a atenção dos pesquisadores por serem pigmentados e crescerem
em diferentes faixas de temperatura (3 oC a 50 oC). A presença de pigmento pode
estar associada ao potencial de superar o chamado estresse oxidativo, quando há
a produção excessiva de radicais livres e espécies reativas de oxigênio, que
passam a causar danos ao organismo.
A radiação
solar e a perda de água são algumas das causas do estresse oxidativo. Com superfície
lisa e inclinada, os painéis fotovoltaicos são desenhados de forma a não
reterem água da chuva ou de eventuais lavagens.
As
pesquisadoras isolaram 63 microrganismos com potencial para resistir aos raios
ultravioleta. No laboratório, eles serão avaliados quanto à capacidade de
resistência a essa radiação e a possibilidades de aplicação biotecnológica.
O artigo Extremophilic taxa predominate in a microbial community of
photovoltaic panels in a tropical region, de Juliane B. Moura, Tiago
P. Delforno, Pierre F. do Prado e Iolanda C. Duarte, pode ser lido em: https://academic.oup.com/femsle/article/368/16/fnab105/6350555.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/paineis-solares-abrigam-microrganismos-com-potencial-aplicacao-biotecnologica/37177/
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