sexta-feira, 1 de outubro de 2021

No Estado de São Paulo, as regiões sul, sudeste e noroeste têm mais mortes de recém-nascidos com asfixia

Constatação foi feita por pesquisadores da Unifesp e da Fundação Seade em estudo divulgado na revista PLOS ONE. Metodologia validada pelo grupo pode contribuir com planejamento de políticas públicas voltadas a reduzir óbitos evitáveis em bebês de até 27 dias (figura: acervo dos pesquisadores)

 

Ao analisar dados do Estado de São Paulo, pesquisadores constataram que municípios das regiões sul, sudeste e noroeste paulista concentraram entre 2004 e 2013 as mais altas taxas de mortalidade de recém-nascidos com asfixia – problema frequentemente relacionado com a baixa qualidade do pré-natal e da assistência ao parto. Fazendo um cruzamento com o Produto Interno Bruto, 31 cidades dessas regiões apresentaram mortalidade alta e PIB baixo.

Os resultados fazem parte de uma pesquisa publicada na revista científica PLOS ONE por um grupo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

O estudo mostrou que a metodologia utilizada – mesclando linhas de análise espacial com dados secundários – é eficaz para indicar aglomerados de casos (clusters) e, com isso, pode contribuir para o planejamento de políticas públicas.

A mortalidade infantil, incluindo a neonatal, constitui um indicador-chave na avaliação da situação da saúde da população. Entender sua evolução por meio da análise dos principais grupos de doenças que causam essas mortes e os fatores geográficos e demográficos associados a elas pode contribuir para ações que facilitem atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

“Fazia sentido esmiuçar o dado da melhor maneira possível para tentar se aproximar mais das políticas públicas. Uma das formas de fazer isso é dando maior precisão à informação para mostrar onde os fenômenos estão ocorrendo. No trabalho, aplicamos a metodologia à mortalidade neonatal com asfixia, apresentando um refinamento em que mostramos onde o problema está ocorrendo”, afirma o infectologista Carlos Roberto Veiga Kiffer, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e um dos orientadores da pesquisa, juntamente com Ruth Guinsburg e Maria Fernanda Branco de Almeida.

De acordo com o estudo, que teve o apoio da FAPESP, no período analisado foram registradas no Estado 6.713 mortes neonatais (de bebês com até 27 dias) com asfixia e um total de 5.949.267 de nascidos vivos. Com isso, a taxa média paulista foi de 1,13 morte por 1.000 nascidos vivos.

Nos clusters, essa proporção ficou entre 1,1 e 1,5 óbito por 1.000 nascidos vivos, chegando à faixa de 1,5 a 3,2. “Encontramos baixo PIB per capita do município correlacionado com as altas taxas de mortalidade associada à asfixia neonatal, sugerindo que a distribuição espacial pode ser parcialmente explicada por esse indicador econômico”, escrevem os autores no artigo.

À Agência FAPESP, a primeira autora da pesquisa, Daniela Testoni Costa-Nobre, também da Unifesp, afirma que, além da correlação com o PIB, outras variáveis não analisadas podem estar associadas a esse tipo de mortalidade. “O foco maior foi na metodologia da identificação de áreas e a associação com o indicador econômico. Procuramos mostrar que esse método pode ser usado para analisar outros fatores e tentar identificar outras causas da mortalidade neonatal”, diz.

Segundo Costa-Nobre, a abordagem otimizada, estruturada e hierárquica permitiu a identificação de áreas de alto risco de mortalidade associada à asfixia, revelando que a metodologia proposta pode ser útil para orientar políticas de saúde pública visando a diminuir óbitos evitáveis de recém-nascidos.

A asfixia neonatal é causada por diversos fatores e problemas durante a gestação, o trabalho de parto e o parto, provocando a falta de oxigênio ou má perfusão de órgãos. Está fortemente relacionada à baixa qualidade do pré-natal e da assistência durante o parto, sendo considerada uma das causas principais de mortes evitáveis de recém-nascidos, juntamente com infecções e nascimentos prematuros.

"Qualquer intercorrência materna eleva o risco de asfixia pré-natal. Portanto, cuidar dessas gestantes, especialmente as de alto risco, é uma maneira de prevenção. Daí a importância do acompanhamento pré-natal adequado durante toda a gravidez e contar com profissionais especializados no parto", diz Costa-Nobre.


Cruzamento de dados

Os pesquisadores realizaram um estudo de base populacional com análise espacial por área, com todos os nascidos vivos de mães residentes no Estado entre 2004 e 2013.

Foram excluídos, no entanto, recém-nascidos com peso ao nascer menor do que 500 gramas e/ou idade gestacional inferior a 22 semanas; bebês com peso e idade gestacional desconhecidos e com anomalias congênitas. Os dados foram acessados entre outubro de 2018 e junho deste ano.

O trabalho considerou mortalidade neonatal associada à asfixia qualquer morte até 27 dias depois do nascimento com hipóxia, asfixia ou aspiração de mecônio como causa de morte em qualquer linha da declaração de óbito.

A abordagem analítica de geoprocessamento incluiu a detecção de efeitos de primeira ordem por meio de quintis (conjuntos de dados divididos em cinco partes iguais) e mapas de média móvel espacial, seguidos por efeitos de segunda ordem por autocorrelação espacial global e local (Moran e LISA, respectivamente) antes e depois do alisamento (suavização) com estimativas Bayesianas.

O índice de Moran é uma medida global da autocorrelação espacial, indicando o grau de associação presente no conjunto de dados. Já o LISA (sigla em inglês para Indicador Local de Associação Espacial) é um parâmetro estatístico que permite descrever o grau de semelhança ou diferença de cada evento em relação aos mais próximos.

Por fim, o grupo aplicou um método estatístico conhecido como correlação de Spearman entre a mortalidade neonatal associada à asfixia e as taxas médias do PIB per capita para os municípios com LISA significativo. O mapa do LISA identificou grupos desse tipo de morte no sul, sudeste e noroeste.

Após a aplicação das estimativas locais de Bayes, os clusters foram mais pronunciados, com sobreposição parcial das áreas de maior mortalidade e menor PIB médio per capita.

Segundo Kiffer, este é o primeiro estudo que mostra a distribuição espacial de causa específica de mortalidade neonatal no Brasil.


Desenvolvimento humano

Com 645 municípios, São Paulo é o Estado com o maior PIB do Brasil (cerca de R$ 2,2 trilhões ao ano), sendo a terceira maior economia e o terceiro maior mercado consumidor da América Latina. Tem um alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,826.

De acordo com os Indicadores Brasileiros para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), São Paulo registrou uma taxa de mortalidade neonatal de 7,44 óbitos por 1.000 nascidos vivos em 2018 (último dado disponível), enquanto a média no país era de 9,15. O Estado com a menor taxa foi Santa Catarina (6,91) e a maior era no Amapá (15,6) (veja quadro aqui: odsbrasil.gov.br/objetivo3/indicador322).

O ODS número 3, entre os 17 estabelecidos pela ONU, visa assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Estabelece que até 2030 as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos devem acabar, tendo os países o objetivo de reduzir a mortalidade neonatal para, pelo menos, 12 óbitos por 1.000 nascidos vivos.

O estudo Clusters of cause specific neonatal mortality and its association with per capita gross domestic product: A structured spatial analytical approach pode ser lido em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0255882.

 

 


Luciana Constantino

Agência FAPESP 

https://agencia.fapesp.br/no-estado-de-sao-paulo-as-regioes-sul-sudeste-e-noroeste-tem-mais-mortes-de-recem-nascidos-com-asfixia/36971/


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