Acender um alerta na
sociedade para salvar vidas quando se fala em prevenção ao suicídio é tão
complexo quanto o comportamento de uma pessoa com a intenção de tirar a própria
vida. Ainda que nem todas as mortes possam ser evitadas, as estatísticas seriam
menores com uma intervenção precoce. Mas, normalmente, só há proatividade
quando a doença mental já está bem avançada e evidente.
O Setembro Amarelo é um
convite para a reflexão sobre a importância de fazer parte de uma rede de apoio
que possa ajudar quem precisa e incentivar a busca por auxílio aos mais de 18,5
milhões de brasileiros que convivem com os transtornos de ansiedade e os 11,5
milhões que tentam lidar com diferentes graus de depressão¹. Devemos entender
por rede de apoio não só familiares e amigos, mas também chefes e colegas de
trabalho, escola e faculdade, vizinhos, membros de comunidades religiosas e,
até mesmo, o médico de confiança. Ou seja, todos aqueles que fazem parte do
círculo social mais próximo do paciente e que estejam dispostos a ajudá-lo.
Os temas depressão,
suicídio e ansiedade são sensíveis no Brasil e, com a pandemia de Covid-19,
houve um aumento significativo do número de casos. Os motivos vão desde o medo
de contágio até o sentimento de perda e luto, fora o estresse causado pelos
efeitos do confinamento. Para mostrar a importância de acolher e ser acolhido,
a ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de
Transtornos Afetivos) apoia a campanha “Bem Me Quer, Bem Me Quero”,
tendo o girassol como o símbolo da vida, que, assim como os seres humanos,
precisa do apoio de todo o ecossistema para se manter firme e lindo, mesmo em
dias nublados.
Todos os anos são
registrados cerca de 12 mil suicídios somente no Brasil e mais de 1 milhão no
mundo. Quase a totalidade (97%) dos casos de suicídio estava relacionada a
transtornos mentais como a depressão, em primeiro lugar, seguida do transtorno
bipolar, abuso de álcool e drogas ilícitas².
Os comportamentos e as
emoções de quem pensa em cometer suicídio são vários e não surgem de uma hora
para outra. As pessoas dão sinais. O afastamento dos amigos e familiares, o
abandono de atividades até então importantes, a mudança drástica de humor, a
baixa autoestima, os períodos de tristeza. Há ainda sentimentos de raiva, falta
de perspectiva, discurso negativo e vago, aumento no consumo de bebida alcoólica,
uso de drogas, padrão de sono anormal e comportamento imprudente não
usual³.
Além da automutilação,
praticada por cerca de 10% dos jovens com 14 a 20 anos de idade que podem vir a
tirar a própria vida, há quem escreva uma carta de despedida, doe seus bens ou
deixe instruções. São raras as situações onde esses problemas ficam ocultos ao
longo do tempo. É importante deixar claro que cometer suicídio não tem a ver
com egoísmo, covardia, falta de amor à vida ou fuga dos problemas. Na maioria
dos casos, a pessoa busca pôr fim a um sofrimento e aliviar uma dor com os
quais não consegue lidar.
Com o mundo virtual, os
sintomas tendem a se exacerbar. Uma pessoa com depressão vê nas redes
sociais o oposto da realidade que ela vive hoje: as fotos de jantares bonitos,
um #TBT das viagens dos sonhos, relacionamentos descritos como uma história de
amor sem fim, pessoas que parecem felizes o tempo todo. Esse contraste acarreta
uma frustração e também afeta a vontade de viver do deprimido.
É preciso se conscientizar,
despir-se do preconceito e do conceito de que a depressão é frescura, preguiça
e falta de trabalho. E praticar a empatia, tentar entender a visão do mundo da
outra pessoa, como ela o enxerga. Não desafiar quem diz sentir vontade de
morrer, mas ouvir sem julgamentos para buscar uma forma de ajudar. O
suicídio costuma ser o desfecho de uma saúde mental já muito debilitada e da
falta de perspectivas - de acordo com o olhar desse paciente - de acabar com a
dor pela qual está passando. Nada tem a ver com covardia. E quem estava perto
não percebeu ou, se percebeu, duvidou.
Para quem está
à volta do paciente, a escuta ativa ajuda na construção de uma rede de apoio
eficaz, que será importante na aceitação de um acompanhamento psiquiátrico e
psicológico, contribuindo para a adesão ao tratamento e, consequentemente, a
recuperação do paciente. Escutar é muito mais do que ouvir. Escutar requer dar
atenção, interpretar sinais e, principalmente, oferecer apoio. É o
que todos nós precisamos para nos levantar.
Alexandrina Meleiro - médica psiquiatra, doutora em Psiquiatria pela
Faculdade de Medicina da USP, membro do Conselho Científico da ABRATA
(Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos
Afetivos).
Referências:
1-SindJustiça.
Disponível em https://sindjustica.com/2020/05/27/brasil-tem-maior-taxa-de-transtorno-de-ansiedade-do-mundo-diz-oms/ Acesso
em 12/08/2021
2-
Biblioteca Virtual Ministério da Saúde. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/10-9-dia-mundial-de-prevencao-do-suicidio/ Acesso
em 29/07/2021
3-
Organização Pan-Americana de Saúde – tópicos Depressão. Disponível em https://www.paho.org/pt/topicos/depressao. Acesso
em 27/07/2021
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