terça-feira, 31 de agosto de 2021

Feminicídio e as recentes leis sancionadas

A morte de uma mulher que se deu por violência de gênero, menosprezo ou discriminação em razão de ser mulher é feminicídio.

Antes da consumação, outras formas de ações e violência são efetivadas contra a mulher. Formas sutis como humor e publicidade sexista, controle, até formas explícitas como chantagem emocional, humilhação, culpabilização, perseguição, assédio, gritos, abuso sexual, insultos, ameaças até culminar com a violência física.

O ciclo da violência, muitas vezes, inicia com a violência psicológica: chantagens, controle, ofensas verbais, humilhações, xingamentos e demais atitudes que acabam com a autoestima da mulher, que não tem consciência da sua condição de vítima.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, durante a pandemia, houve um aumento de 0,7% de feminicídios, o que representa mais 1.350 mulheres assassinadas só porque são mulheres.

Em um panorama geral do crime, 74,7% tem entre 18 e 44 anos, 61,8% são negras e 81,5% foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro, observando-se que 55,1% foram por arma branca.

A residência é o espaço de maior risco para as mulheres: 48,8% das vítimas relataram que a violência mais grave vivenciada ocorreu dentro de casa. E este percentual vem crescendo.

Ante esse panorama, leis precisam conter esses números. E, a seguir, algumas novidades nesse âmbito:

 

Violência Psicológica contra a Mulher, Lei 14.188 de 28 de julho de 2021

Segundo o Relatório Visível e Invisível 2021, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente no ano de 2020, a cada minuto, oito mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia. Cerca de 13 milhões de brasileiras (18,6%) sofreram a violência mais frequentemente relatada: ofensa verbal, insultos e xingamentos. A violência psicológica, em geral, é o início do ciclo da violência vivido pelas mulheres nos relacionamentos.

A nova legislação alterou a modalidade da pena de lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e criou o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. A nova legislação também definiu o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de combate à violência, onde a letra X é escrita na mão da vítima, de preferência na cor vermelha e funciona como uma denúncia silenciosa e discreta.

A reflexão que se faz necessária é sobre a aferição do dano psicológico, através de laudos. Primeiro quanto a necessidade de laudos emitidos por peritos psiquiatras e/ou psicólogos. E os laudos particulares serão aceitos?

Outro ponto muito importante: com um laudo desses em mãos, que atestará um dano à saúde mental da mulher, cuidado redobrado quanto ao uso, principalmente para serem usados nas Varas de Família, especialmente nas Ações de Guarda de Filhos, lembrando o sistema machista e patriarcal que ainda vivenciamos também no Judiciário.

 

Stalking, Lei 14.132 de 31 de março de 2021

Perseguir alguém, reiteradamente, por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade é crime!

Foi acrescentado o art. 147-A no Código Penal e revogado o art. 65 da Lei de Contravenções Penais, deixando de ser a conduta enquadrada como “mera perturbação da tranquilidade alheia”.

O stalking tipifica a perseguição compulsiva (obsessão) que restringe a liberdade e a intimidade da vítima. A pena será aumentada se contra mulher por razões de condição do sexo feminino.

Exemplos de atitudes criminosas: a pessoa foi bloqueada e continua insistindo no contato; aparece nos mesmos locais; promove ameaças físicas e emocionais. Se pelo meio virtual, a vítima deve fazer prints e registros das formas utilizadas para contato pelo stalker.

 

Violência Política de Gênero, Lei 14.192 de 04 de agosto de 2021.

Foi sancionada a lei que estabelece normas de prevenção, repressão e combate à violência politica contra as mulheres, nos espaços e atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos e funções públicas. Fica assegurada a participação delas em debates eleitorais.

Para estarem na política, as mulheres necessitam de segurança e independência e, por isso, essa lei é considerada um avanço no tema.

 Todas essas novidades são medidas necessárias para enfrentar a Violência Doméstica contra as Mulheres.

Nos 15 anos da Lei Maria da Penha, ainda que considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três legislações mais avançadas no combate à violência doméstica, juntamente com Espanha e Chile, o Brasil ocupa alta posição no ranking dos países mais violentos do mundo para mulheres.

Segundo o Portal de Monitoramento da Política Judiciária de Enfrentamento à Violência Doméstica contra as Mulheres do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram concedidas 386.390 medidas protetivas, somente no ano passado. Medidas protetivas são um conjunto de determinações impostas pelo Judiciário a um agressor para que se afasta da vítima (ou em risco de sofrer violência).

 

Ainda sobre a Lei Maria da Penha é necessário desmitificar alguns pontos

  1. A violência doméstica não distingue classe social, idade, grau de escolaridade.
  2. Mulher não gosta de apanhar nem merece apanhar. Toda violência deve ser repudiada. Muitas vezes permanecem no relacionamento por não terem condições financeiras de sustento próprio e dos filhos. Além do medo de retaliação pelo companheiro, após as denúncias, ou de perder a guarda dos filhos.
  3. A autoridade policial irá orientar, quando do atendimento à vítima, todas as ferramentas disponíveis, previstas na Lei.
  4. Em briga de marido e mulher, mete-se a colher sim. Essa atitude pode salvar vidas.
  5. “Um tapinha dói sim”. A agressão não é isolada, pontual. Ela ocorre repetidas vezes, de várias formas, afetando o psicológico da vítima.
  6. Ninguém tem direitos sobre o corpo de outra pessoa. Toda relação sexual deve ser consensual e previamente conversada para que a vontade e o desejo de ambos sejam satisfeitos até o limite de cada um.
  7. Não cabe somente à mulher manter o relacionamento. Aos dois cabe construir uma relação saudável, tranquila, equilibrada e equânime.
  8. Não é somente agressão física que é violência doméstica. Existem outras formas de violência: moral, psicológica, patrimonial e sexual.
  9. A violência doméstica acontece mesmo sem histórico de bebidas, drogas ou doenças mentais.
  10. A Lei Maria da Penha atende mulheres cis e trans também.
  11. Antes só do que mal acompanhada. Continuar como agressor traz riscos à mulher e aos filhos sendo que estes também poderão sofrer violência ou reproduzirem esses atos violentos dos agressores.
  12. Denuncie, ainda que anonimamente, qualquer ato de violência.

 


Leticia Helena Malzone - advogada militante em direito de família e sucessões desde 1999 e conciliadora das Varas da Família até 2010. Também atua em direito civil, imobiliário e internacional.

 

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