É chover no molhado comentar sobre os efeitos que a
pandemia provoca no ecossistema do Turismo, o setor mais atingido em toda essa
crise. O segmento de viagens está quase parado, com exceção de poucos setores
produtivos. E isso independe do segmento abordado - corporativo, lazer,
educação, eventos. Mas enfim, o novo normal fala das mudanças de comportamento
de pessoas e empresas e dos protocolos. Correto? Não.
O novo normal é o velho normal. É a constatação do
“assédio moral corporativo”, recentemente debatido por um executivo do setor de
eventos. Falamos de concorrências no mercado corporativo. Falamos de empresas
bilionárias que defendem a atenção ao cliente e à cadeia de suprimentos como
fundamentais nesse novo normal, balizados na bíblia da governança corporativa,
entre outros belos substantivos. Sim, belos substantivos que compõem o mosaico
dos sites dessas organizações.
Ainda que não saibamos, ao certo, sobre uma linha
de tempo e volume de retomada das viagens, o que está acontecendo é a
insanidade das concorrências, as famosas RFPs (request for proposals) que
circulam no mercado.
Propostas que exigem das agências de viagens
corporativas e eventos e de outros prestadores de serviços, tão impactados com
a COVID-19, pagamento antecipado de percentual do volume a ser gasto. Exato,
você entendeu bem, são depósitos à título de caução, para garantir a entrega
futura dos serviços prestados. E depois, quem sabe, a contratante pretenda
efetuar os pagamentos devidos com prazos de 60, 90 ou 120 dias. Que mundo
surreal é esse? Isso é “assédio moral corporativo””.
Falando em prazos, você leitor sabe qual é o prazo
de faturamento aéreo? Bem, se a agência de viagens comprar uma passagem no dia
1º, ela terá que pagar a companhia aérea no dia 17 do mesmo mês. Num hotel,
talvez o prazo seja um pouco maior, 20 dias, quando muito. E quando a agência sugere
a implantação de algo mais seguro como o cartão de crédito ao cliente, aí vem a
velha resposta.
Ele, o cliente, não está maduro o suficiente para
distribuir o cartão de crédito para o colaborador, entenda-se, talvez, maduro
por falta de confiança no colaborador, muitas vezes. Ou que os trâmites
burocráticos de pagamentos não permitem que a empresa consiga cumprir o prazo
oferecido pelo cartão de crédito, embora essa mesma empresa use o cartão de
crédito, nos Estados Unidos ou na Europa. Aqui o cenário é um pouco diferente.
Esse tipo de empresa, parece, prefere a burocracia
à praticidade, sob o pretexto de uma tal insegurança nas transações ou porque,
de fato, prefere praticar o “assédio moral corporativo”?
Outro argumento recorrente é o risco de fraude.
Inaceitável: o Brasil é um dos líderes mundiais em segurança nas transações
financeiras e bancárias e o reembolso de despesas à base de recibos e notinhas
é que de fato traz riscos de fraude e burocratiza o processo.
A rigor, uma empresa dessas sem escrúpulo
corporativo faz uso de seu poder econômico para pressionar os elos mais
sensíveis da cadeia, como as agências de viagens e eventos e mais uma dezena de
serviços, para que essas se curvem às práticas absolutamente incompreensíveis e
insustentáveis.
Mas o “assédio” não para por aí. Esse tipo de
empresa impõe exigências sem o devido reconhecimento ao valor agregado do
profissional, como por exemplo, consultores de atendimento bilíngues. Pagar por
esse serviço diferenciado é algo fora da cartilha desse tipo de empresa.
Vamos mais além, cobrança de percentual sobre o
volume total de compras, caso a agência não cumpra o SLA definido. Correto uma
penalidade, mas veja, sobre o volume total do orçamento? Isso é ultrajante e
claro desrespeito às leis de negócios tidos como sustentáveis.
Por outro lado, algumas empresas, nesse mundo
disruptivo, querem oferecer liberdade de escolha aos seus viajantes. Perfeito,
porém, exigem que a TMC faça o acompanhamento e pior, ela será penalizada caso
o viajante ache algo, digamos, mais barato nos vários canais de vendas
disponíveis nesse traiçoeiro mundo online.
Decerto, entendendo que a dinâmica de viagens é tal
como comprar ativos simples como parafusos, esse tipo de cliente imagina que
distribuição de conteúdo é igualmente simples e gratuita. O fornecedor que se
vire nos trinta. A suposição de que cuidar do viajante nesse mundo pandêmico e
disruptivo é coisa simples. Ledo engano.
O momento é oportuno e convidamos as empresas à
reflexão sobre os pilares da sustentabilidade. Tornar a cadeia sustentável é
papel protagonista do cliente, sim.
Com o apoio da KPMG, está em curso a implantação de
um canal de comunicação Abracorp, um canal onde nosso associado poderá se
manifestar, caso ele perceba que os princípios de valor estejam sendo feridos e
corrompidos.
Esse canal Abracorp servirá, igualmente, para
apoiar os demais elos do ecossistema, clientes e fornecedores, para que essas
possam ter uma convivência harmônica, tendo como base a governança e a
sustentabilidade nas relações de negócio, principalmente, com as TMCs Abracorp.
Afinal, essa é a missão da Abracorp: buscar o
desenvolvimento do setor, caminhando juntos num momento tão crítico como esse
da pandemia.
Gervasio Tanabe -
presidente executivo da Abracorp – Associação Brasileira de Agências de Viagens
Corporativas.
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