A sociedade brasileira conviveu, por
várias décadas, com uma letargia que permitiu serem dizimadas suas convicções,
sua cultura, seus valores. Sob pressão do politicamente correto, por falta de
qualquer contraditório minimamente eficiente, permitiu que se instalassem os
divisionismos sobre os quais muito se tem escrito. Em nome da diversidade,
ressaltaram-se as diferenças e se instalaram antagonismos onde diferenças
houvesse: relações familiares, etárias, laborais, sociais, de cor da pele, de
sexo, sempre criando muralhas intransponíveis, conflitos e uma diversidade
bizarra. Das entranhas da estupidez humana surgiam, então, as modernas formas
da luta de classes numa sociedade que consentia em dividir-se e em dar curso a
esse fenômeno.
Ao longo dos anos, observando o
unilateral uso político dessa patifaria sociológica se converter em pautas dos
poderes de Estado, cuidei de denunciar a causa e sublinhar seus efeitos.
Aquela maioria dormente rugiu seu
despertar nas ruas e no subterrâneo das redes em que os "coxinhas"
clamavam contra os males feitos ao país. A hegemonia estabelecida nesses dois
espaços de expressão suscitou muita malquerença. Era inaceitável que surgisse
"do nada" uma força política vitoriosa exatamente nos dois nichos de
opinião - habitados por conservadores e liberais - sempre inoperantes,
passivos, letárgicos. Os dois adjetivos
ocupavam lugar de destaque nos xingamentos da esquerda. Como entender que
saíssem do armário em que eram contidos para, no momento seguinte, se tornarem
vitoriosos nas urnas? Você tem ideia,
leitor, de quanto poder ali foi perdido?
Infelizmente, o sucesso eleitoral
esbarrou com a resistência dos outros poderes. E surgiu no Brasil uma nova
divisão, um novo antagonismo, muito mais severo. Verdadeiro seccionamento da
sociedade. De um lado o governo e seus
eleitores cientes do risco de uma derrota no curso do mandato; de outro o
Congresso e o STF, e a militância da esquerda, na mídia, na Universidade, no
ambiente cultural. Para criar novas divisões, há eleitores do presidente que
cobram dele que faça o que não deve e adversários que o acusam de já haver
feito o que não deve. Há as provocações de Celso de Mello, as demandas
ridículas de Lewandowsky, as intromissões de Alexandre de Moraes. Desaforos em
cascata e a sociedade que se dane. Se o povo na rua ainda afasta os golpistas,
a mídia militante se empenha em desdenhá-lo, descredenciá-lo. No reino
dividido, tudo está politizado e, pior do que isso, judicializado: da
hidroxicloroquina ao atestado médico, da indicação de um novo diretor-geral da
PF às formas de isolamento.
Como
não vir à mente as palavras de Jesus no evangelho de Mateus (12:25): "Todo o reino dividido contra si
mesmo é devastado; e toda a cidade, ou casa, dividida contra si mesma não
subsistirá."
Está faltando juízo a muita gente que,
graças à posição que ocupa, se lixa para o padecimento do Brasil real.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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