Atualmente, a forma mais comum de enxergar a
tecnologia no cotidiano das pessoas e na transformação dos negócios é aquela
que define que programas de computador não são criativos e, sim, os humanos.
Entretanto, há bons motivos para pensarmos de maneira diferente.
Um caso emblemático que envolve o poder criativo
humano e o dos computadores é o de Garry Kasparov, um dos melhores jogadores de
xadrez de todos os tempos. Pela primeira vez na história, em 1997, o enxadrista
russo foi destronado pelo Deep Blue, um supercomputador da IBM, após uma série
de seis partidas em Nova Iorque. Desde então, os humanos não são capazes de
derrotar computadores no xadrez.
A forma como as engines (programas de computador que
jogam xadrez) são desenvolvidas, tradicionalmente, busca “simular” o jeito
humano. A intuição nas máquinas foi originalmente substituída por heurísticas –
grosseiramente, uma forma mecânica de fazer palpites – e pelo acesso a
gigantescas bases de dados que compilam tudo o que sabemos sobre o jogo,
incluindo todas as partidas registradas dos melhores humanos, em todos os
tempos.
Deste modo, em razão do poder brutal e do
crescimento exponencial da capacidade de processamento e armazenamento dos
computadores modernos, os computadores se tornaram imbatíveis. Assim, de
adversários, eles passaram a servir como “recursos de treinamento” para
humanos.
A modernização da inteligência
artificial
Analisando os recursos da era mais moderna, talvez
o projeto Stockfish seja o melhor engine de xadrez já desenvolvido da
maneira tradicional. O sistema emula tão bem o comportamento humano que, de
certo modo, podemos assumir que ao menos jogando xadrez, um computador é como
um “humano mais forte”.
Nos últimos anos, entretanto, outra abordagem para
fazer os computadores jogarem xadrez começou a se destacar. Em vez de contar
com imensas bases de dados e heurísticas avançadas, em um movimento iniciado
por um laboratório de IA da Google, optou-se por desenvolver uma inteligência
artificial que soubesse apenas as regras básicas do jogo com a finalidade de
testar as capacidades de algumas tecnologias experimentais. A ideia é que essa
IA aprendesse, a partir da prática e não da “simulação humana”, passando a
jogar milhões de partidas sozinha, avaliando o que funciona e o que não
funciona no tabuleiro. A cada partida jogada, erro de avaliação, jogo vencido e
acerto, a inteligência artificial aprenderia mais sobre o jogo.
Neste cenário, além da capacidade de processamento
e armazenamento, o crescimento da conectividade passou a fazer a diferença com
milhares de “instâncias” da inteligência artificial em milhares de
dispositivos, aprendendo de forma contínua e incansável. Os projetos
AlphaZero, da Google, e Leela são dois bons exemplos de inteligências
artificiais desenvolvidas nos tempos que descrevemos aqui.
Modernização, criatividade e
ampliação da invencibilidade
Atualmente, o projeto Leela tem força relativa
equivalente ao Stockfish. Enquanto isso, o AlphaZero parece “esmagar”, por
muito, seu adversário mais convencional (embora existam contestações sobre o
formato em que as disputas entre eles ocorreram).
O mais intrigante é que, enquanto o Stockfish joga
em estilo compreensível e similar ao dos melhores jogadores humanos, Leela e
AlphaZero são extremamente originais, com lances difíceis de entender. O
computador não é mais “o humano mais forte”. É a expressão de algo
absolutamente novo, incompreensível e ainda mais imbatível. Primeiro, as
máquinas se tornaram melhores do que nós, humanos, jogando do nosso modo, só
que de maneira mais que precisa. Agora, elas são melhores do que nós, mas
jogando do modo delas.
De muitas formas, as heurísticas imitando o
pensamento humano e a base de conhecimento sobre o que sabemos sobre o jogo
limitavam a capacidade de os computadores jogarem melhor. Leela e AlphaZero
jogam de maneira original. E, por que não dizer, criativa?
A inteligência artificial no
futuro dos negócios
Acreditamos que, se uma tarefa pode ser
automatizada, ela será. E isso é apenas questão de tempo. Um exemplo disso é o
projeto Debater, da IBM, que recentemente assombrou o mundo com uma
inteligência artificial capaz de enfrentar os humanos em concursos de retórica.
O fato é que o uso de tecnologias está
extrapolando, há tempos, a visão de fazer mais, mais rápido e mais barato.
Estamos chegando a um nível de sofisticação onde as máquinas conseguem, sob
muitas perspectivas, serem criativas. Mais do que automação, precisão e escala,
estamos no limiar da “criatividade cibernética”.
No mundo dos negócios, já é realidade para muitas
empresas que tecnologia é competência fundamental. Entretanto, é preciso ir
além. A discussão sobre tecnologia precisa ter lugar na alta gestão, sobretudo
conselhos e presidências. O disruptivo, que até outro dia era exceção, está se
convertendo em regra.
E o que acontece quando as inteligências
artificiais fizerem mais do que jogar xadrez? O que acontecerá com os negócios?
Elemar Júnior - CEO da empresa a ExímiaCo e
especialista com mais de 20 anos de experiência em arquitetura de software e
desenvolvimento de soluções com alta complexidade ou de alto custo
computacional. Tem como expertise o desenvolvimento de estratégias para a
inovação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário