Diariamente somos
inundados por notícias de denúncias envolvendo a prática de crime de corrupção
e lavagem de direito. A lavagem de dinheiro, com isso, passou a ser papo entre
amigos em bares e botequins no país a fora. Mas o que vem a ser o crime de
lavagem de dinheiro? Todo o proveito do crime de corrupção ativa caracteriza
crime de lavagem? Quando isso não ocorre?
Conforme
preleciona Pierpaolo Cruz Bottini, professor livre docente do Departamento de
Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP,
a “Lavagem de dinheiro é o ato ou a sequência de atos praticados para
mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional,
com o escopo último de reinseri-los na economia formal com aparência de
licitude”.
Como é cediço, o
processo de lavagem de dinheiro tem como antecedente necessário a prática de
uma infração penal – momento da origem do recurso ilícito
– e se inicia com a ocultação dos valores auferidos. Desenvolve-se nas diversas
operações posteriores para dissimulação da origem dos bens, e se completa pela
reinserção do capital na economia formal com aparência lícita.
Assim, o processo
completo de lavagem de dinheiro é composto por ao menos três fases: ocultação,
dissimulação e a integração dos bens à economia formal. Não se pode esquecer
que o objetivo final do processo de lavagem é a reinserção do capital à
economia lícita.
Cumpre destacar,
por oportuno, para a melhor compreensão da matéria posta a deslinde, a
decomposição das fases do processo de branqueamento do dinheiro.
A primeira fase é
a ocultação. Trata-se do movimento inicial para distanciar o valor de sua
origem criminosa, com a alteração qualitativa dos bens, seu afastamento do
local da prática da infração antecedente, ou outras condutas similares.
A etapa seguinte é
o mascaramento ou dissimulação do capital, caracterizada pelo uso de transações
comerciais ou financeiras posteriores à ocultação que, pelo número ou
qualidade, contribuem para afastar os valores de sua origem ilícita.
Por fim, a
integração se caracteriza pelo ato final da lavagem: a introdução dos valores
na economia formal com aparência de licitude.
Embora o processo
de lavagem de dinheiro se perfectibiliza com a reinserção do capital na economia
lícita, a legislação brasileira não exige a completude do ciclo exposto para a
tipicidade do crime em tela. Não é necessária a integração do capital sujo à
economia lícita para a tipicidade penal. Basta a consumação da primeira etapa –
a ocultação – para a materialidade delitiva, incidindo sobre ela mesma pena
aplicável a dissimulação ou integração.
Portanto, o crime
de lavagem de dinheiro é a ocultação de bens, valores e direitos obtidos por
conta do delito antecedente, desde que o agente tenha inequivocamente a
intenção (elemento subjetivo) branquear e reinserir o produto do crime
antecedente na economia lícita.
Assevere-se que a
constatação da existência de uma infração penal antecedente não é suficiente
para a lavagem de dinheiro. Conforme destacado por Pierpaolo Bottini “é
necessário que este ilícito anterior gere um produto, o objeto material do
delito em discussão”. Como é de conhecimento comezinho o objeto
material do delito de branqueamento de capitais são bens, direitos e valores
provenientes de infração penal antecedente. Dessarte, seja qual for a infração
antecedente, ela só poderá gerar lavagem de dinheiro se produzir resultado ou
frutos.
Leciona Pierpaolo
Bottini, “sempre que a ocultação estiver contida dentre os elementos do crime antecedente,
o delito restará absorvido por este, pela consunção. Tomemos
como exemplo o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código
Penal: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. O tipo penal indica dois
comportamentos típicos, solicitar ou receber, mas apenas o segundo importa aqui
porque o ato de solicitar vantagem indevida sem recebê-la, embora caracterize o
ato consumado de corrupção passiva, não gera produto passível de ocultação ou
dissimulação. Pois bem, o recebimento da corrupção passiva pode se dar de forma
direta ou indireta. O próprio agente pode receber a vantagem indevida, bem como
terceiros podem fazê-lo em seu nome, como interpostas pessoas. Ambas as
hipóteses estão contidas expressamente no tipo penal do art. 317 do Código
Penal. Assim, se um funcionário público recebe vantagens
indevidas por interposta pessoa, há corrupção passiva consumada. ”
Destarte, nos
casos de lavagem de dinheiro, sempre que a ocultação estiver contida dentre os
elementos do crime antecedente, o delito restará absorvido por este, pela
consunção, tal como ocorre quando o funcionário público recebe vantagem
indevida oriunda de corrupção passiva em nome de sua esposa.
Cumpre ressaltar
que o Supremo Tribunal Federal discutiu o tema na Ação Penal nº 470 (Mensalão),
no caso de um servidor público que recebeu valores em razão do exercício de
suas funções através de sua esposa, que buscou o dinheiro em espécie na agência
bancária. Na hipótese, a Procuradoria Geral da República ofereceu denúncia pela
prática – em concurso de delitos – de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A Corte Suprema
afastou a incidência do segundo delito por entender que o uso de interposta
pessoa para o recebimento de valores integra expressamente o tipo penal de
corrupção passiva. Essa forma de ocultação, portanto, está contida no artigo
317 do Estatuto Repressivo, de forma que o delito de lavagem de dinheiro é
absorvido pelo crime antecedente.
Na oportunidade, a
Ministra Rose Weber, apontou, de forma precisa, que: “Nessa
linha, a utilização de um terceiro para receber a propina
– com vista a ocultar ou dissimular o ato, seu objeto e real beneficiário -
integra a própria fase consumativa do crime de corrupção passiva, núcleo
receber, e qualifica-se como exaurimento do crime de corrupção ativa. Por isso,
a meu juízo, esse ocultar e esse dissimular não dizem necessariamente com o
delito de lavagem de dinheiro, embora, ao surgirem como iceberg, como a ponta
de esquema de proporções mais amplas, propiciem maior reflexão sobre a matéria.
”
E a decisão do
Ministro Roberto Barroso que pontuou: “O recebimento, por modo clandestino e capaz de
ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria
materialidade da corrupção passiva, não constituindo portanto ação distinta e
autônoma de lavagem de dinheiro. Para caracterizar esse crime
autônomo seria necessário identificar atos posteriores, destinados a recolocar
na economia formal a vantagem indevidamente recebida. ”
O mesmo ocorre quando
o pagamento da propina é por meio de financiamento de um veículo para o agente
público corrupto. Não há que se falar em ocultação na espécie, mas sim de
exaurimento do crime de corrupção ativa.
Dessa forma, se a
ocultação ou dissimulação típica da lavagem de dinheiro se limitar ao
recebimento indireto de valores frutos da corrupção passiva, há continência
entre os tipos penais, aplicando-se a consunção, absorvendo-se o delito de
branqueamento de capitais, tal como ocorreu na hipótese dos autos.
Assim, nem sempre
ocorrerá o crime de lavagem decorrente dos valores obtidos com a corrupção, ou
melhor explicando, nem sempre a propina quando ingressar na esfera de
disponibilidade do corrupto incidirá as penas da lei de lavagem.
Marcelo Aith - advogado especialista em Direito Público e
Criminal e professor da Escola Paulista de Direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário