segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Mais médicos e menos saúde


Em meados de julho, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, enviou para análise do Congresso Nacional um projeto para a criação do programa Médicos pelo Brasil. O texto, avalizado pelo Governo Federal, foi muitíssimo bem recebido pela sociedade por atacar de frente alguns problemas sérios da assistência à população.

De forma geral, solucionaria vários desvios do programa Mais Médicos. A começar pelo estabelecimento de regras transparentes e obrigatórias para a revalidação de diplomas dos graduados fora do Brasil.

Assim, teríamos sempre boa probabilidade de o profissional a nosso dispor, se formado no exterior, ser de fato capacitado para a boa prática, pois passara por avaliação e comprovara qualificação.

Enfim, um dos focos do Médicos pelo Brasil era colocar ponto final no passe livre que alguns aventureiros usaram para vir a nosso País e exercer a Medicina, em anos recentes, sem comprovar aptidão, uma perigosa lacuna do Mais Médicos.

Como destaquei inicialmente, a propositura do Ministério da Saúde e do Governo Federal mereceu aplausos da classe médica e de todo o universo da saúde. Isso por também elencar critérios sólidos com vistas a resolver o histórico problema de falta de profissionais para assistir à saúde das populações de regiões remotas e periferias.

Era de se esperar, portanto, que fosse acolhida no Congresso Nacional sob aplausos. Lógico seria transformá-la rapidamente em lei, de maneira a garantir mais resolubilidade ao Sistema Único de Saúde e a combater com rigor uma máfia de diplomas que age acintosamente nas áreas fronteiriças do Paraguai, Bolívia, Argentina e por aí afora.

Só para ter ideia, as faculdades de Medicina localizadas nessas localidades já ultrapassam 65 mil estudantes brasileiros, reunidos em 39 instituições, o que representa mais de 1/3 do total de vagas para alunos de Medicina no Brasil, segundo o Censo da Educação Superior de 2018. Em regra, a formação é de baixíssimo nível, já que a maioria tem estrutura precária, não possuindo laboratórios, bibliotecas e nenhum local para a prática clínica.

Detalhe: as mensalidades nestas localidades estão, em média, entre R$ 700 e R$ 2.000, enquanto no Brasil o valor gira entre R$ 5.000 e R$ 12.000. Várias nem exigem vestibular para a matrícula.

Explicara está, então, a ida de tantos sonhadores para fora. Só que os mesmos, independentemente de suas vontades, viram bombas relógios. Malformados serão risco aos cidadãos, quando na linha de frente do atendimento.

Ocorre que os parlamentares acionaram o artefato durante a análise da proposta do Ministério da Saúde pela Comissão Mista da Câmara dos Deputados. Retalharam o texto original e adensaram centenas de emendas nocivas à prática adequada da Medicina. Ao documento mutilado, batizaram-no de Projeto de Lei de Conversão 25/2019.

Semana passada, essa versão desfigurada foi aprovada, pela Câmara e o Senado, trazendo péssimas notícias aos brasileiros. A mais grave é a possibilidade de as faculdades privadas participarem do processo de revalidação, fazendo avaliações e validando diplomas obtidos no exterior.

É a brecha para que pessoas sem formação adequada, graduadas em outros países, tenham diplomas revalidados e a consequente autorização legal para atuar como médicos, mediante pagamento. Lamentavelmente, fez-se do Revalida um balcão de negócios. Teremos mais médicos e menos saúde.





Antonio Carlos Lopes - presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica


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