Imagem mostra efeito do tratamento com melatonina sobre a morte celular (caspase-3 ativada) no câncer de ovário experimental. Controle à esquerda e tratado com melatonina à direita divulgação |
Professor da Unesp
Botucatu estuda benefícios do chamado "hormônio do sono"
Mais que estimular o “sono dos anjos”, a melatonina
também atua como um poderoso antioxidante natural e anti inflamatório. Este
hormônio, produzido pela glândula pineal, localizada bem no meio no cérebro, é
essencial para a regulação do nosso “relógio biológico”.
Esta substância tem chamado atenção de
pesquisadores do mundo todo, justamente pelo seu potencial de combater radicais
livres (moléculas liberadas pelo metabolismo do corpo e que provocam
envelhecimento e morte celular) e, por sua vez, inúmeras doenças. Entre elas, o
câncer.
O Prof. Luiz Gustavo Chuffa, do Departamento de
Anatomia do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu (IBB), por exemplo,
testa há cerca de três anos os efeitos da melatonina no combate ao câncer de
ovário. Os testes têm sido realizados in vivo (cobaias) e in vitro.
Ao que tudo indica, a melatonina, quando produzida
em altas concentrações no período noturno, permite que a célula tumoral tenha
um metabolismo semelhante ao da célula normal. Diferente do que é observado
durante o dia, onde ela continua a exibir o fenótipo metabólico tumoral (efeito
Warburg).
“Até o momento, observamos que a melatonina induz a
morte de uma linhagem celular de câncer de ovário e esses efeitos parecem ser
dependentes dos seus receptores. Estamos investigando alguns alvos-chave do
metabolismo mitocondrial responsável pela glicólise e pela fosforilação
oxidativa (etapa de metabolismo da célula) para entender melhor esses eventos e
verificar prováveis mecanismos de ação da melatonina”, comenta.
De acordo com o biólogo, alguns tipos de tumores
parecem ter envolvimento direto com a quantidade de melatonina produzida pelo
corpo. Apesar de já saber-se que indivíduos com câncer dormem pouco e tem
baixos níveis de melatonina ainda não se sabe se o inverso é verdadeiro. Ou
seja, se aqueles que dormem pouco estão mais propensos a desenvolverem câncer.
“Hoje o que podemos dizer é que um sono de
qualidade, associado a boa produção de melatonina, deve ter um papel protetor
contra o desenvolvimento do câncer - incluindo, claro, outros fatores
envolvidos. No caso do câncer de ovário, somente quando suplementados com
melatonina é que conseguimos matar as células e atenuar a invasão”,
complementa.
Melatonina como suplemento
Esta pesquisa conta com a colaboração de uma das
principais sumidades no assunto: Prof. Russel Reiter. O biólogo
norte-americano, docente em Neurociências e Anatomia na Universidade de
Ciências da Saúde em San Antonio, Texas (EUA), é especialista nos aspectos
protetores da melatonina. Iniciou seus trabalhos pouco tempo depois da
caracterização da molécula da melatonina, em 1958.
Segundo ele, dormir menos pode de fato trazer
consequências mais sérias à saúde do ser humano. Por isso tem sido um dos
principais defensores da suplementação de melatonina exógena, ou seja,
fabricada artificialmente pela indústria farmacêutica [por se
tratar de um hormônio endógeno, produzido naturalmente pelo corpo, não é
patenteável]. Apesar de ser liberada sua comercialização em vários
países, o produto ainda não é regularizado pela Anvisa, no Brasil.
“Nos EUA, a melatonina é vendida como um suplemento
sem receita. Na Europa, é vendida por prescrição. Na China, está disponível
como um ‘mercado de balcão’. Considerando seus inúmeros benefícios, sinto que a
melatonina é extremamente subutilizada. Deve estar prontamente disponível visto
que tem muitos benefícios e é muito menos tóxica que outros medicamentos, como
por exemplo a aspirina”, argumenta Reiter.
“Acredito que ainda tem muito a ser explorado, mas
até o momento a melatonina já demonstrou ter muitas atividades benéficas.
Importante salientar é que cada caso é um caso em termos de tratamento. Então a
consulta com o especialista sempre deve ser seguida por mais que a melatonina
não tenha efeitos colaterais. Vale a pena destacar que seu consumo excessivo
pode aumentar a sonolência no período diurno”, pondera Chuffa.
Luz do celular é inimigo do sono
O corpo humano, como qualquer ser vivo, precisa
economizar energias em algum momento do dia para seu desenvolvimento. Porém
este botão de “liga / desliga” não é tão simples de acionar uma vez que este
“gatilho” fica justamente no nosso cérebro.
E diferente do que muitos pais costumam dizer às
crianças, na hora de convencê-las a ir para a cama, não basta apenas “fechar o
olho para o sono chegar”. Para produzir mais melatonina e, consequentemente,
“atrair o sono”, é preciso escuridão total.
“Um segundo de luz - por exemplo aquela acendida
para ir ao banheiro à noite - é suficiente para inibir a produção de
melatonina. Mas deixar a TV ligada ou usar o celular na cama certamente são os
grandes vilões do sono”, enfatiza Chuffa.
Além do uso excessivo da luz artificial durante à
noite, a produção natural de melatonina pode ser interrompida com uso de
medicamentos e o envelhecimento em si.
A privação do sono também é um inimigo, que afeta
principalmente quem trabalha no período noturno ou faz viagens transmeridionais
com frequência, criando o famoso “jet leg” - aquela alteração do ritmo
biológico após mudanças do fuso horário em longas viagens de avião.
Curiosidades
Diariamente um ser humano, com ciclo circadiano
normal, produz em média de 120 a 180 pg/ml de melatonina durante a noite (com
pico na metade da noite ou auge da madrugada). Essa concentração cai
drasticamente durante o dia (em torno de 20-40 pg/ml).
Pesquisas recentes apontam ainda que pessoas com
disfunção na produção de melatonina e alteração na qualidade do sono estão mais
propensas a desenvolver: síndrome metabólica, ganho de peso, alterações
cardiovasculares, distúrbios cognitivos, entre outros.
Mas não são apenas os seres
humanos que produzem melatonina. Animais e plantas também produzem esta
substância. Outro fato interessante é que a melatonina está 100 vezes mais
concentrada nas mitocôndrias (organelas responsáveis pela respiração celular)
quando comparado à circulação sanguínea.
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