A discussão não é nova, mas, em função do atual
cenário jurídico-político brasileiro (eleições presidenciais, Operação Lava
Jato etc.), o debate sobre a questão voltou à tona e ganhou força: o Supremo
Tribunal Federal (STF) deveria se tornar apenas corte constitucional e deixar
os demais assuntos para outros tribunais superiores?
Em primeiro lugar, faz-se necessário diferenciar
tecnicamente as expressões “corte constitucional” e “suprema corte” (ou “corte
de apelação”, como alguns preferem chamar). A primeira é, por definição, um
órgão do Poder Judiciário responsável pelo juízo de constitucionalidade de leis
e atos políticos. Em outras palavras, cabe à “corte constitucional” a última
palavra quanto à interpretação e concretização da constituição. Já a “suprema
corte” tem caráter de última instância, ou seja, de “corte de apelação” e de
administração de justiça propriamente.
No Brasil, o STF não funciona essencialmente como
“corte constitucional”, pois acumula funções híbridas (de “corte
constitucional” e de “corte de apelação”).
Por determinação do artigo 102 da Constituição de
1988, o STF foi soerguido a um tribunal multifuncional e revisional, com
competência para processar e julgar originariamente as infrações penais comuns
e crimes de responsabilidade praticados por pessoas detentoras de foro
privilegiado, que abarcam: Presidente da República, Vice-Presidente,
Procurador-Geral da República, Ministros de Estado e os membros do Congresso
Nacional. Além disso, compete ao STF o julgamento de recursos extraordinários
em face de decisões que violarem o texto da constituição, assim como de
recursos ordinários em face de decisões denegatórias de habeas corpus, habeas
data, mandado de segurança e de injunção julgados em única instância. E mais,
cabe ainda ao STF processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo federal ou estadual e ações declaratórias de
constitucionalidade, dentre outras hipóteses.
A partir disso, fica fácil imaginar o volume
gigantesco de demandas e o caos processual decorrente, que prejudica a eficácia
de sua prestação jurisdicional. Com todo respeito a quem pensa diferente, a
ideia de que o STF deve atuar como um supertribunal de revisão deve ser
combatida.
Para ilustrar a questão, lembramos que ao julgar o
habeas corpus do ex-ministro Antônio Palocci, no início deste ano, o Ministro Luís
Roberto Barroso criticou o número de processos que chegam ao
STF e o fato de a corte figurar como “4ª instância” de todos os processos.
Segundo os dizeres de Barroso: “Essa ideia de que o STF deva ser a 4ª instância de
todos os processos, inclusive de todos os processos criminais, é um equívoco
que não tem como funcionar. É de uma trágica irracionalidade, e é por isso que
o STF recebe 100 mil processos por ano. (...) Não é papel de nenhuma corte
constitucional no mundo julgar 10 mil HCs por ano. É inexplicável. Não há
sentido nisso. Jurisdição constitucional não é feita para julgar habeas corpus
originariamente”.
Nesse contexto, a resposta à pergunta acima é: sim,
o STF deve se tornar uma corte essencialmente constitucional, com competência
para uniformizar a interpretação e aplicação da constituição pela via do
recurso extraordinário e por meio da ação direta de inconstitucionalidade (ADI)
e declaratória de constitucionalidade (ADC), deixando a cargo do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) a competência para atuar como última instância de
apelação.
Caio Marcio Eberhart - advogado e sócio do
escritório Trotta, Eberhart, Sotomaior Karam Sociedade de Advogados, e membro
da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB/PR.
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