O
que é uma realidade há mais de 20 anos em nações desenvolvidas como os Estados
Unidos, começa a ganhar força no Brasil: a proliferação de testes de farmácia -
aqueles disponibilizados nos balcões ou prateleiras das drogarias – começa a
ocorrer para além da checagem preliminar de gravidez. A sala de oportunidades
que se abre no território brasileiro teve como primeira mobília o teste para o
vírus HIV, quando lá em 2015 a ANVISA publicou resolução sobre as regras para
os registros de produtos com esta finalidade. Os chamados autotestes de HIV
passaram a ser disponibilizados há pouco mais de 1 ano nas farmácias com preço
que varia entre R$ 60 e R$ 70, em média.
A
abertura para os autotestes de HIV configura um rol imenso de benefícios para o
mercado brasileiro. Se de um lado a população ganha meios acessíveis para uma
triagem inicial de determinada doença, do outro a indústria de saúde vê no
horizonte um vasto campo de oportunidades – que vai além das vendas desse tipo
de produto, impactando sobretudo o segmento de laboratórios de análises
clínicas.
Se
no mundo desenvolvido a gama de opções de testes de farmácia está estabelecida,
no Brasil ainda encaramos como uma tendência - uma forte tendência. Os estudos
que vêm sendo realizados combinam a diversificação das chamadas matrizes de
coleta (os meios utilizados para coletar o material que apontará o diagnóstico
preliminar) com as doenças ou reações adversas do organismo em si. Isso
evidencia que o desenvolvimento dos autotestes, independentemente da situação
vivida pelo paciente, abre um imenso leque: do direcionamento para testes
específicos à ampliação de novas matrizes de coleta de amostras para
flexibilização da testagem de exames mais complexos nos laboratórios de
análises clínicas. Hoje, o cenário de pesquisa e desenvolvimento de autotestes
abrange cerca de 60 soluções para tornar acessível aos brasileiros a triagem em
torno de doenças autoimunes, hormonais, neurológicas e infecciosas.
Num
país como o Brasil, em que fatores de infraestrutura e clima são bem
peculiares, trabalhar em cima da disponibilidade de diferentes matrizes de
coleta é fundamental. Um exemplo já disponível - ainda não em farmácias - é o
teste de intolerância e hipersensibilidade alimentar, feito a partir da coleta
de sangue capilar por punção digital. Esse tipo de matriz - bem como saliva
(swab bucal) e coleta de sangue em papel filtro - mitiga significativamente
subnotificações (comuns em casos que envolvem saúde pública) e/ou ausência de
diagnóstico que têm como origem limitações logísticas. É o caso de diagnósticos
negativos de dengue, principalmente em regiões afastadas dos grandes centros
urbanos do país. Devido à estabilidade da amostra de sangue, limitada a 7 dias
e à conservação em temperaturas entre 2 e 8ºC, essas subnotificações alteram de
modo significativo as estatísticas relacionadas à doença. Para se ter uma
melhor dimensão, há um estudo da FIOCRUZ Bahia que conclui: o número de casos de
dengue seria 12 vezes maior que o tornado público devido exatamente às
subnotificações. Esses e outros dados levaram os autores do estudo a concluírem
que a vigilância tem subestimado, substancialmente, a carga da doença no
Brasil.
Assim,
o investimento em diferentes matrizes de coleta - e a posterior viabilização de
autotestes e/ou autocoleta - são meios imprescindíveis de combater enfermidades
ou distúrbios. Se comparada à coleta de sangue convencional, a utilização do
papel filtro, por exemplo, mostra um promissor caminho: ele apresenta
estabilidade de 30 dias e conservação em temperatura ambiente.
Não
se pode negar, portanto, que este movimento de inovação e tecnologia em novos
diagnósticos, a partir do ponto de vista da acessibilidade da população em identificar
determinada doença com um autoteste e/ou pela autocoleta, traz boas
perspectivas para a saúde populacional. Alzheimer e outras doenças
neurológicas, que até o momento não são curáveis, já estão sendo estudados pelo
prisma do diagnóstico preliminar via testes laboratoriais menos complexos, como
pela coleta de saliva, por exemplo. A detecção e tratamento iniciado
precocemente - ainda que não haja a cura - pode reduzir os sintomas e entregar
melhor qualidade de vida ao paciente.
Já
pelo lado da indústria farmacêutica e saúde, essa tendência dos testes de
farmácia configuram uma oportunidade enorme para a produção industrial - por
universidades e laboratórios - em grande escala, com custos reduzidos e
garantia de qualidade. Num futuro próximo, o mercado da saúde vai migrar para
uma atuação mais personalizada, mais autossuficiente, com a entrega de soluções
que colaborem para uma maior autonomia, acesso e poder de decisão pela
população.
Se
considerado o valor de exames nos laboratórios de medicina diagnóstica, a
margem de lucro com autotestes pode não ser alta, porém ganha-se no volume, uma
vez que a maior acessibilidade e autonomia da população certamente irá
desencadear grande demanda. Além disso, um eventual resultado positivo força o
exame mais detalhado e confirmatório, estabelecendo-se correlação com o que há
anos se pratica em casos de gravidez quando previamente apontada num teste de
farmácia.
De
um lado, fácil acesso, baixo custo, e maior independência para diagnosticar
problemas de saúde e tratá-los com razoável chance de boa manutenção de
qualidade de vida. Do outro, a diversificação de receitas e o crosseling
natural para o diagnóstico preciso com exames complementares e medicamentos ou
atividades associadas ao tratamento. Como se pode constatar, o futuro desenhado
em torno dos autotestes é uma relação ganha-ganha para todos os envolvidos,
público-final, laboratórios e indústria. E o melhor: com duração ininterrupta,
muito mais que os 9 meses de uma gestação.
Gustavo
Janaudis - farmacêutico e bioquímico, diretor executivo da Euroimmun Brasil,
empresa de origem alemã fabricante de soluções para diagnósticos.
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