quarta-feira, 26 de setembro de 2018

A ilegalidade da educação domiciliar no Brasil


No último dia 12 de setembro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ensino domiciliar não pode ser considerado um meio lícito que garanta o acesso à educação no Brasil. Na decisão, a maioria dos ministros consideraram que, para que a opção fosse válida, teria de estar prevista em lei.

Embora a decisão seja definitiva, a discussão sobre o tema trouxe algumas reflexões sobre essa forma de educar que extrapolam o aspecto legal. Um desses pontos está relacionado à socialização da criança. Críticos desse modelo educacional argumentaram que ela limita o convívio da criança com outros de sua idade ou até mesmo de faixas etárias diferentes. Seria a privação de um convívio social mais amplo e mais rico em experiências. Em poucas palavras, representaria o risco de criar a criança numa espécie de bolha.

Para os defensores do chamado “homeschooling”, porém, essa socialização poderia ser facilmente trabalhada em outros grupos de convivência, como em clubes e em outros momentos que não a educação formal.

O responsável pela educação foi outro item de reflexão. Afinal, nem sempre o pai, a mãe ou a pessoa que se prontifica em fazer essa educação domiciliar tem a preparação, o olhar acadêmico ou o conhecimento teórico e mesmo prático para enxergar as melhores perspectivas, a melhor forma de trabalhar com aquela criança ou aquele jovem, de modo a desenvolver todas as suas potencialidades. 

Por não ser profissional da área, em muitos casos, o responsável por essa educação simplesmente faz pela intuição, sem estudo, o que pode prejudicar o desenvolvimento do educando, limitando as experiências necessárias para seu enriquecimento e formação.

Nesse sentido, deve-se ainda destacar que, muito além dos aspectos legais, a nossa cultura é bem diferente da norte-americana, onde o “homeschooling” é amplamente difundido. Por lá, existe a cultura de criação do filho para mundo. Os jovens saem de casa para fazer faculdade e muitos já trabalham enquanto moram com os pais, passam grande parte dessa fase longe. Aqui, ainda temos o hábito de dar mais acolhimento, o jovem fica por mais tempo debaixo da asa dos pais, o que pode representar um ponto negativo para a educação domiciliar.

Há, contudo, quem use o mesmo quesito como favorável para a educação domiciliar, no sentido de que esse acolhimento justamente permitiria a personalização da educação, de acordo com as necessidades da criança e com os valores da própria família. Os responsáveis pelo educando também conseguiriam ficar muito mais atentos ao desenvolvimento das habilidades de suas crianças, em razão desse acompanhamento bem próximo, totalmente individualizado.

Nesse ponto, porém, também faz-se necessário destacar a realidade de grande parte das famílias brasileiras. Afinal, é preciso muito tempo e dedicação. Não adianta a família ser formada por pessoas que trabalham fora durante todo o dia para tentar dar conta do processo educacional durante a noite, naqueles poucos momentos com o filho. Se não houver a presença consciente da responsabilidade, o desenvolvimento educacional poderá ser prejudicado.

O conteúdo, por fim, é o último ponto de reflexão. No formato da educação brasileira, há exigência do desenvolvimento pedagógico de acordo com material e base curricular específicas para cada etapa escolar. Em casa, como aconteceria esse desenvolvimento? Seria preciso algum tipo de acompanhamento do desenvolvimento da criança, de modo que garantisse que ele acontecesse de forma semelhante ao que acontece na educação tradicional, dada em uma instituição de ensino.

Com tantos pontos de debate, vê-se a complexidade do assunto tratado pelo STF. Embora a falta de regulamentação de lei fosse um dos principais pontos para o não reconhecimento da educação domiciliar, o tema vai muito além.

Agora, após decisão do Supremo, a única educação legalmente reconhecida é a formal, dada dentro das instituições de ensino públicas e privadas do país. A elas cabe a missão de transmitir conteúdo pedagógico e social, que possibilite a cada criança, a cada jovem, formar-se cidadão atuante e consciente de seu papel social.

Claro, sempre contando com o total apoio e acompanhamento dos pais. Afinal, não há escola que garanta educação plena sem contar com a família como parceira permanente nesse processo.






Edson D’Addio - educador e diretor pedagógico do Colégio Palmares


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