quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A mesmice cansativa


Recentemente, fui convidado a participar de um encontro em São Paulo, com o objetivo de produzir um documento de sugestões aos candidatos à presidência da República. Na abertura, o orador afirmou que o primeiro passo seria fazer um diagnóstico da situação brasileira e, a partir daí, elaborar um plano de soluções. Convidaram-me porque o foco era a economia.

Em dado momento, pedi a palavra e afirmei que fazer diagnóstico econômico do Brasil é fácil. O país se especializou na permanência de uma mesmice cansativa. Os problemas nacionais se repetem com enorme tédio há meio século. Nos anos 1970, os problemas eram a inflação e a dívida externa. Nos anos 1980, os temas mais candentes eram a inflação, a recessão e a moratória da dívida. Nos anos 1990, a hiperinflação e a crise cambial. Na virada do milênio, vencida a inflação, persistiam a dívida externa e a crise cambial.

O tédio da mesmice brasileira já estava presente num irônico diálogo entre Tancredo Neves e o economista Roberto Campos, em setembro de 1961, quando Tancredo, designado primeiro-ministro do governo parlamentarista de João Goulart, pediu ao economista que preparasse um programa de governo a ser enviado ao parlamento para referendo junto com o novo gabinete. Roberto Campos ponderou que não havia tempo para a tarefa, ao que Tancredo respondeu com sua mineirice sarcástica: “Você é useiro e vezeiro em fabricar programas de governo desde os tempos de Getúlio e Juscelino. No Brasil, os problemas não mudam, logo não mudam também as soluções”.

E Tancredo tinha razão. Os problemas herdados do período Juscelino eram a inflação e a crise cambial, que viriam a se repetir nas décadas seguintes. Nos últimos 50 anos, os problemas brasileiros não mudaram, como também não mudaram duas realidades tristes: a pobreza – refletida na baixa renda por habitante – e os crônicos déficits públicos. Qual a explicação para o contraste entre o potencial de riqueza do país e a pobreza do desempenho? Vários são os fatores explicativos, entre eles a incompetência dos países pobres na descoberta dos verdadeiros inimigos.

Os esquerdistas gostam de culpar o neoliberalismo pelas mazelas brasileiras. Isso é uma bobagem; é culpar o inexistente. Os responsáveis por nossa pobreza não são o liberalismo – nem o neo nem o clássico, que nunca existiram por aqui –, nem o capitalismo, por ser mal aplicado e distorcido. Entre os inimigos do desenvolvimento estão os monopólios, com suas ineficiências; o excesso de empresas estatais, que criaram uma nova classe de privilegiados: os burgueses do Estado, verdadeiros capitalistas sem risco; e o elevado grau de estatização da economia e da vida nacional.

Quanto ao neoliberalismo, estudos realizados por organismos internacionais colocam o Brasil como um dos países de menor grau de liberdade econômica e um dos mais fechados do mundo. Segundo a Heritage Foundation, entre 186 países, o Brasil está na posição 153, ou seja, atrás de 152 países em grau de liberdade. Onde está o neoliberalismo? O que temos em verdade são graves resquícios dirigistas, limitação da ação empresarial, um sistema tributário complexo e punitivo, uma legislação trabalhista inibidora da contratação e uma pilha de controles e intervenções.

Um país em que o Estado tem até uma estatal para fabricar camisinhas não pode ser acusado de liberal. Não, não é piada. Agora, neste julho de 2018, acaba de circular a notícia de que “em crise, fábrica estatal de camisinhas naufraga e encerra a produção”. Trata-se da falência da Natex, estatal montada no governo Lula, em 2008, no Estado do Acre, para produção de camisinhas. É o retorno à cultura da estatização dos anos 1970. Isso faz lembrar um trecho do poema de T. S. Elliot nos Quatro Quartetos: “O fim de toda nossa busca será chegar ao lugar onde começamos e ter a sensação de descobri-lo pela primeira vez”.






José Pio Martins - economista, é reitor da Universidade Positivo.


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