terça-feira, 26 de junho de 2018

Cientista brasileiro recria cérebro de Neandertal em laboratório pela primeira vez na história


Combinando duas poderosas tecnologias, a edição de genoma usando CRISPR e a geração de minicérebros a partir de células-tronco, o pesquisador Alysson R. Muotri pretende desvendar uma das questões mais fundamentais da espécie humana: o que nos faz únicos


O Dr. Alysson R. Muotri, Ph.D., professor da Faculdade de Medicina e diretor do Programa de Células-tronco da Universidade da Califórnia, e cofundador da startup de biotecnologia TISMOO, recriou organoides cerebrais contendo material genético de Neandertais na tentativa de compreender como surgiu a capacidade cognitiva de nossa espécie.

Organoides cerebrais, ou minicérebros, são estruturas celulares miniaturizadas criadas a partir de células-tronco que reproduzem, em parte, a estrutura e funcionalidade do cérebro humano em desenvolvimento. Muotri já havia utilizado esses minicérebros para desvendar a contribuição genética do autismo e outras doenças neurológicas, e para testar novos medicamentos. Junto com colegas brasileiros, Muotri também já havia feito uso dos minicérebros para mostrar a relação causal do vírus da Zika e o surto de microcefalia no Brasil em 2015.

Agora, utilizando uma nova versão de minicérebros funcionais, capazes de gerar sofisticadas redes neurais, o grupo de Muotri mostra pela primeira vez na história a reconstrução de minicérebros com fragmentos de DNA derivados dos Neandertais.

"No passado, já havíamos comparado minicérebros de humanos com de outros primatas, como o chimpanzé. No entanto, para entender as origens do cérebro moderno, precisaríamos compará-los com minicérebros dos nossos primos evolutivamente mais próximos, como os Neandertais", explica Muotri sobre o estudo.


Os Neandertais

Os humanos modernos e os Neandertais se separaram em duas linhagens a cerca de 400 mil anos atrás. Nossos ancestrais ficaram na África, enquanto que os Neandertais migraram para o norte europeu. Cerca de 60 mil anos atrás, vestígios arqueológicos sugerem que os nossos ancestrais finalmente saíram da África em direção a Europa. Foi nesse momento em que as duas espécies coexistiram. 

Evidências genéticas recentes mostram que os dois grupos tiveram relações sexuais, mas a natureza desses encontros ainda é um mistério. O fato é que os Neandertais acabaram extintos logo após esse contato com nossa e
spécie e as causas dessa extinção ainda são motivo de muita especulação.

Hoje, tudo que se sabe a respeito dos Neandertais vem do estudo de fosseis e sítios arqueológicos. Evidências mostraram que os Neandertais costumavam enterrar os mortos e produziam ferramentas e enfeites rudimentares, sugerindo um certo pensamento abstrato e simbólico. Até evidências artísticas foram atribuídas aos Neandertais, mas isso ainda é alvo de muita controvérsia. Do ponto de vista neurológico, se sabe que eles tinham o cérebro um pouco maior do que os humanos modernos, com algumas diferenças estruturais.


A descoberta

O material genético desses antigos humanos, também extraído de fosseis, foi decodificado em 2010. Ao comparar o genoma dos Neandertais com os de humanos modernos, notou-se diversas diferenças. Certas regiões do genoma ainda existem na população de hoje, enquanto outros fragmentos foram eliminados pela seleção natural, possivelmente por causa de alguma desvantagem adaptativa, na saúde, fertilidade, aparência ou cognição.

"Nosso grupo usou ferramentas genômicas para alinhar genomas de Neandertais e descobrir quais genes seriam únicos e não mais presentes nas atuais populações humanas. Depois, selecionamos genes que eram ativos durante o desenvolvimento neural e que estavam relacionados a doenças neurológicas. Usamos essa informação para alterar o genoma de células-tronco humanas e então criar minicérebros neandertalizados", comenta Muotri.

Os resultados são impressionantes. Ao olhar para a expressão gênica durante o neurodesenvolvimento, o grupo notou alterações significativas entre os minicérebros neandertalizados e os humanos. A nível celular, as alterações foram ainda mais claras: alterações no padrão migratórios das células progenitoras levou a formação de estruturas globulares distintas no minicérebros de Neandertais. Essas alterações celulares e moleculares tiveram um impacto na formação das redes neurais: a atividade neuronal foi significativamente reduzida em minicérebros com fragmentos de Neandertais.

Os resultados dessa pesquisa serão apresentados pela primeira vez em um simpósio internacional organizado pelo CARTA (Center for Academic Research & Training in Antropogeny), na Califórnia: http://carta.anthropogeny.org/events/imagination-and-human-origins. O contexto do simpósio tem como foco a imaginação humana e Muotri acredita que a demonstração das diferenças entre os minicérebros humanos e os de Neandertais possa explicar nossa capacidade cognitiva única.

"A imaginação é um dos mecanismos mais importantes e complexos na história da humanidade. A imaginação é inerente ao cérebro humano moderno, gastamos boa parte do tempo imaginando coisas. Imaginamos situações desde criança (um monstro embaixo da cama, um amigo fictício) até a fase adulta (imaginamos nosso futuro, situações diárias). A imaginação nos permite sonhar, criar tecnologia e atingir nossos objetivos. Imaginar é poder. É uma ferramenta evolutiva fantástica", diz o professor e pesquisador.

O estudo de Muotri também esbarra em questões éticas, afinal os minicérebros usados são capazes de atividade elétrica semelhante à de um bebê recém-nascido. Recentemente, um grupo de cientistas e eticistas publicaram um artigo na Revista Nature pedindo a regulamentação dessas questões. Como os organoides cerebrais de Muotri devem ser tratados? Seriam reconhecidos como indivíduos com direitos semelhantes ao de um bebê?

Colocando as questões éticas de lado, está claro que os resultados com os organoides cerebrais de Neandertais podem revelar detalhes sobre a capacidade cognitiva que resultou no sucesso da espécie humana moderna e fracasso evolutivo dos Neandertais. Um grande passo para responder uma das perguntas mais fundamentais da história humana.






Dr. Alysson Renato Muotri - professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto de Células-tronco da Universidade da Califórnia. O pesquisador também é sócio fundador da TISMOO, a primeira startup de biotecnologia que utiliza informação genômica e minicérebros funcionais para desenvolver novos tratamentos para o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Muotri ainda é um dos cientistas brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, com o maior número de publicações em revistas de alto impacto. Formado em biologia pela UNICAMP, fez doutorado em Genética pela USP. Em 2002, foi contratado pelo Instituto Salk de Pesquisas Biológicas para um pós-doutoramento em neurociências e células-tronco. Em 2008, tornou-se pesquisador principal de um grupo de pesquisa na Universidade da Califórnia, onde trabalha até hoje. Durante essa trajetória, Muotri coleciona prêmios internacionais como o prestigioso NIH Director's New Innovator Awar, NARSAD, EUREKA, Surugadai, entre outros.


TISMOO
www.tismoo.com.br


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