Há magistrados que desdenham da capacidade de
pessoas sem formação em direito interpretarem o que está escrito na
Constituição. Pura arrogância. Qualquer cidadão alfabetizado é capaz de
entender o disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna. E é isso que
incomoda e desnuda, aos olhos da nação, meritíssimos que fingem sapiência
jurídica para tentar impor um entendimento diferente do que está no texto
constitucional, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de ação penal condenatória“.
Percebam que o trecho sublinhado não fala em “ninguém
será preso“. E por que não fala? Porque não é disso que se trata. A questão
específica da prisão é tratada no inciso LXI, do mesmo artigo 5º, que dispõe: “Ninguém
será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei“.
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA –
Poderá alegar o supremo magistrado que o inciso LVII, ao estabelecer “o
trânsito em julgado” como imperativo para estabelecer a culpa de um réu,
implica o juízo de que a presunção de inocência (preste atenção ao termo) só
acaba após o último recurso possível passar pelo crivo do Supremo Tribunal
Federal, quarta instância da Justiça brasileira. Falso. Refaça atentamente a
leitura do inciso. Veja que ele versa expressamente sobre o “trânsito em
julgado da ação penal condenatória“. E, pelo que dispõe a Constituição, nem
o STJ nem o STF “julgam” (atenção no verbo julgar) ações penais de cidadãos de
segunda categoria, apenas de excelências com foro privilegiado, as quais a lei
quase nunca alcança.
Logo, como bem demonstrou Teori Zavascki em fevereiro de
2016, o “trânsito em julgado de uma ação penal condenatória” se esgota
na segunda instância, após garantida ao réu a ampla defesa, como ocorre em
praticamente todos os países democráticos.
SEM PRESUNÇÃO –
Afinal, a partir da condenação em primeira instância, já não existe mais
“presunção de inocência”, mas de culpa. E, depois de concluído o devido
processo legal no segundo grau de jurisdição, o que há são recursos especiais e
extraordinários de outra natureza. Quase sempre, de cunho apenas protelatório.
É o óbvio. Não é à toa que funciona assim em todo o mundo civilizado. Se
quisesse dizer que ninguém pode ser preso até o STF dar a palavra final, o
constituinte teria escrito isso, com todas as letras, na Constituição. Não
escreveu porque se trata de uma aberração jurídica.
Mas tudo isso é só para salvar Lula? Claro que não.
Político mais popular da história recente do país, Lula entra como boi de
piranha. É a desculpa de que a elite delinquente do Brasil precisava para
ampliar a impunidade sob as asas do Supremo, pondo fora do alcance da lei
também criminosos ricos e poderosos.
BENEFICIADOS –
Além dessa gente criminosa, os únicos beneficiados serão os grandes escritórios
de advocacia criminal. Essa manobra, se for adiante, significará um golpe de
morte na Lava Jato e no combate ao crime dos que sempre saquearam os cofres do
país.
O crime de Lula? Aliar-se a essa elite e aprofundar, em
escala inimaginável, o roubo de dinheiro público. São os pobres os que mais
sofrem quando se rouba dinheiro que tanta falta faz à educação, à saúde e à
segurança pública. Mas só Lula vai pagar? Não. Até agora, a Lava-Jato julgou,
condenou e prendeu mais de 160 réus. Praticamente, todos os bandidos, de
esquerda e de direita, sem foro privilegiado.
Falta o STF fazer a parte dele. Para isso, basta que
cumpra o que determina a Constituição e acabe com o foro especial. Afinal, é o
que manda o enunciado do artigo 5º da Carta Magna: “Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza.” Certamente, a cláusula mais
importante da Lei Maior do país. Pena que seres supremos a tratem como letra
morta e tentem nos enfiar goela abaixo um entendimento que, felizmente, não
está na legislação.
Plácido Fernandes
Correio
Braziliense
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