Um cenário comum em diversas
empresas é o do nepotismo. Infelizmente, devido à falta de discussão da ética
no meio corporativo, essa é uma clássica situação de conflito de interesses mal
trabalhada e recorrente. Há uma falta de compreensão da situação e de como
lidar com ela.
Importante deixar claro que
não falo aqui de empresas familiares, algo muito comum em algumas redes de
franquias, por exemplo. Isso é um modelo de trabalho onde não só a empresa,
como o mercado com que ela se relaciona são cientes da situação da estrutura
familiar, e possui uma dinâmica de relacionamento interna pronta a lidar com
isso.
Falo da situação que envolve
contratações privilegiadas através do “favor sanguíneo”, onde há um conflito de
interesses entre o melhor para a empresa e o que é considerado um benefício
particular a um membro da família, independente de suas habilidades para ocupar
um cargo.
Quando há conflito de
interesses, o benefício foge do fim último da empresa, que é se manter, ter
lucro e crescer. Ele vem somente para a parte que age em favor próprio, no caso
colocando alguém de sua família para trabalhar e dividir recursos e ganhos da
empresa.
Claro que essa é apenas uma
forma de conflito de interesses dentro das empresas, mas o escolhi como exemplo
pela abrangência de sua discussão ética. Nesses casos, quando os interesses
particulares de um elemento geram uma conduta viciosa ou danosa para a empresa,
se deixa a imparcialidade, a justiça e a credibilidade de lado. Como
consequência, há prejuízo.
Mesmo quando o contratado é
bom profissional, ainda assim pode haver prejuízo para a empresa. Como a imagem
da empresa fica, quando se sabe que aquele recém contratado só está ali por
motivos de favoritismo, não ligados a suas reais capacidades? Acha que os
clientes veem bem uma empresa que age assim? Acha que fornecedores confiam mais
nela? E a equipe, como fica? Onde eles teriam confiança para apostar suas
carreiras e dedicações? Com certeza não em uma empresa que pode deixá-los de
lado em favor de um parente de funcionário em comando, simplesmente pelo fato
de ele ser um parente.
Mas onde está a raiz do conflito
de interesses? Justamente no momento em que o EU supera o NÓS como empresa.
Evitar o duelo entre a vontade pessoal e a vontade da empresa é o ponto chave.
Muitas empresas têm sérios problemas de conduta, mas nesse caso em específico,
o problema é puramente daqueles que trabalham nela.
Se você, como funcionário,
aceitou os termos e condições de trabalhar ali, seguindo aquele fim daquela
empresa, enquanto se está dentro dela, seu dever é para com ela, não para
consigo mesmo. O conflito de interesse parte da vontade. Na condição de
profissionais, devemos prezar a postura correta e coerente.
O problema, e talvez a raiz
do questionamento ético, é justamente que tudo parte da esfera pessoal em
primeira instância. Não existe trabalhador que se levante pela manhã sem ir
buscar o salário do sustento, da tranquilidade, da alegria. Tudo é motivado
pelo EU. Tudo sempre é pessoal.
Porém, quando no mundo
corporativo, o indivíduo assume a responsabilidade de agir de acordo com o
grupo. É uma escolha consciente e racional. Ninguém é naturalmente
profissional. Todos escolhem isso de maneira racional, pelos benefícios que o
grupo traz no longo prazo. Escolhe-se a vontade da empresa sobre a sua própria,
porque de certa forma foi sua vontade primária, e acima da atual, que escolheu
estar naquela empresa. Foi sua escolha primeira que determinou isso.
Dentro de um regime
democrático, o trabalhador está em uma empresa por uma necessidade ou até mesmo
vontade maior do que a momentânea que gera o conflito de interesses. Logo, preservar
a empresa é interesse primário do funcionário. Quando confrontado com a
situação e conflito, a empresa deve ganhar, principalmente porque ela é quem
garante a perpetração de seu contrato como assalariado.
É preciso produzir condutas
de qualidade, esclarecendo os funcionários para buscar lidar com essas
situações. No caso do nepotismo, o problema não é o parente em si como
funcionário. Como dito antes, há empresas familiares que trabalham essa
questão. O problema está na conduta de quem contrata.
Nesse caso, os motivos são o
problema, já que quando há uma motivação baseada em competência, não importa o
parentesco, mesmo que ele exista. Vê como o problema está mais ligado ao porque
e não ao quem? Mas, como manter uma conduta ética sem o conflito de interesse,
se quero contratar um parente, por competência, ou quero que ele também tenha
uma chance no processo seletivo?
O grau de parentesco deve
ficar claro desde o início. Se descobrirem mais tarde, isso pode gerar
problemas. Uma saída saudável é contratar às claras, informando a empresa,
avisando da capacidade do contratado, e até mesmo se retirar do processo de
contratação para que a avaliação seja feita de forma imparcial por outro
profissional.
Tudo é possível desde que
certos princípios não sejam feridos. Está mais no como, na motivação e no
processo, não na ação e contratação. Nepotismo é uma coisa, contratar um
profissional que por acaso é seu parente é outra. O balanço entre pessoal e
profissional é o que determina o conflito de interesse, é o epicentro da
discussão.
É normal querer ajudar
alguém da família, mas o fim último no momento é o bem estar do grupo empresa.
Retirar-se do processo é realmente o melhor, e garante uma chance a esse
profissional. Vê como é complexo? Como é difícil ponderar e absorver esse
debate? É por isso que a ética como interiorização é tão valiosa para manter
saudáveis as relações dentro das empresas.
Samuel Sabino - fundador da consultoria Éticas Consultoria,
filósofo, mestre em bioética e professor.
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