Dois temas que envolvem,
em especial, o acesso à Justiça do Trabalho foram determinantes para a sua
história, sem considerar as demais peculiaridades do processo trabalhista: a
gratuidade da Justiça e os honorários de sucumbência.
Com a entrada em vigência
do Código de Processo Civil de 2015, aplicado de forma subsidiária e
suplementar na Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho se viu na
necessidade de alterar suas súmulas e orientações jurisprudenciais.
Entre as orientações
jurisprudenciais que careciam de reforma estava a OJ 304 da SDI-1. A sua
redação original, que data de 2003, se referia a que “atendidos os requisitos
da Lei nº 5.584/70 (art. 14, § 2º), para a concessão da assistência judiciária,
basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial,
para se considerar configurada a sua situação econômica (art. 4º, § 1º, da Lei
nº 7.510/86, que deu nova redação à Lei nº 1.060/50)”.
Até o momento, uma
declaração simples da impossibilidade de arcar com os custos do processo
bastava para que fosse concedida a assistência judiciária, também conhecida
como Justiça gratuita.
O instituto da Justiça
gratuita é regulado na CLT no parágrafo 3º, do artigo 790, no qual se lê que:
“É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do
trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o
benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos,
àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou
declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas
do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”.
O legislador
propositalmente não colocou nenhum critério além da apresentação de
requerimento para a concessão da Justiça gratuita, permitindo maior acesso à
Justiça do Trabalho.
Contudo, o novo Código de
Processo Civil instituiu em seu artigo 105 novas regras para a procuração e
limitação aos seus poderes, dispondo que: “A procuração geral para o foro,
outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o
advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação,
confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar
ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar
compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem
constar de cláusula específica”.
Assim, o pedido do
benefício da Justiça gratuita deverá constar expressamente na procuração
outorgada com cláusula que lhe permita declarar a hipossuficiência econômica.
Nesse sentido, para se
adequar à disposição do CPC, a OJ 304 foi convertida na Súmula 463, com o
seguinte conteúdo:
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
GRATUITA. COMPROVAÇÃO
I – A partir de
26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa
natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou
por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para
esse fim (art. 105 do CPC de 2015);
II – No caso de pessoa
jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de
impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.
Desta feita, o processo
trabalhista se ajusta às disposições do CPC. Em tese, esse procedimento evita
declarações de procuradores quanto à hipossuficiência de partes que teriam
plenas condições de pagar as custas processuais, sem seu conhecimento e
consentimento, e as consequências de apresentar declarações falsas ao
Judiciário.
Ainda que não seja esse o
motivo da edição da nova súmula, é preciso levar em conta o contexto econômico
e legislativo em que ela foi editada.
A concessão de Justiça
gratuita representa uma limitação para a capacidade arrecadatória da Justiça do
Trabalho, que deixa de recolher elevadas cifras por causa do instituto. De
acordo com o relatório geral da Justiça do Trabalho, a Justiça do Trabalho como
um todo custou R$ 17.562.413.919,13 no ano de 2015[1]. No mesmo relatório,
consta que o recolhimento de custas processuais foi de apenas R$ 324.078.350[2].
Essa diferença entre os
gastos com a Justiça e os valores por ela arrecadados para seu próprio custeio
ocorre simultaneamente a um movimento legislativo em favor da estipulação de
critérios mais rígidos para a concessão do benefício da Justiça gratuita.
A recente aprovação da
reforma trabalhista pelo Senado Federal, sancionada pelo presidente da
República, também oferece óbices à concessão de Justiça gratuita, não sendo
mais ela desvinculada de quaisquer condições. Nesse sentido, o novo texto sobre
o assunto:
Art.
790..................................................................................
§ 3º É facultado aos
juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer
instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça
gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem
salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos
benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
§ 4º O benefício da
justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos
para o pagamento das custas do processo.
Desse modo, a Justiça do
Trabalho continuará acessível sem custos.
O outro aspecto
controvertido diz respeito aos honorários de sucumbência da nova lei que introduziu
o artigo 791-A na CLT e parágrafos, dispondo da seguinte forma:
Ao advogado, ainda que
atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o
mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor
que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não
sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§ 1º Os honorários são
devidos também nas ações em face da Fazenda Pública e nas ações em que a parte
estiver assistida ou substituída pelo Sindicato de sua categoria.
§ 3º Na hipótese de
procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca,
vedada a compensação entre os honorários.
§ 4º O beneficiário da
justiça gratuita não sofrerá condenação em honorários de sucumbência, desde que
não tenha obtido em juízo, ainda que em outra lide, créditos capazes de
suportar a despesa.
Cuida-se de previsão que,
para alguns, poderá inibir o acesso à Justiça porque a gratuidade no processo
trabalhista sempre foi determinante ao estímulo na busca de reparação de
direitos inadimplidos durante o contrato de trabalho. Para outros, entretanto,
poderá ter efeito contrário dado que as ações serão ajuizadas com mais cuidado
e responsabilidade, e os pedidos, face a possibilidade de sucumbência recíproca
em caso de procedência parcial da ação, serão melhor direcionados e
fundamentados.
Em termos práticos, de um
lado a nova Súmula 463 não vai representar nenhum efetivo impedimento ao benefício
da Justiça gratuita, mas possui forte fator simbólico, ao reconhecer que sua
concessão precisa de critérios definidos e não deve ser feita de maneira
indiscriminada. De outro lado, os honorários de sucumbência poderão servir para
valorizar a atuação da Justiça do Trabalho, as ações trabalhistas e as próprias
pretensões.
[1] TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO. Relatório Geral da Justiça do Trabalho: Relatório Analítico 2016.
Brasília. Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST. 2016, p. 37.
[2] Idem
Paulo Sergio João - advogado - professor de Direito
Trabalhista da PUC-SP e FGV
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