quinta-feira, 29 de junho de 2017

Os perigos do pseudo déficit de atenção nas crianças da geração Alpha



Nascidos sob o advento da internet e do boom tecnológico sofrem com a falta de estímulos nas atividades escolares, o que faz com que crianças sejam diagnosticadas erroneamente e medicadas sem necessidade.


Depois das gerações X, Y e Z, agora chegou a vez da geração Alpha, composta por pessoas nascidas depois de 2010, sob o advento da internet e do boom tecnológico, e que está sofrendo de um pseudo Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH).

Com videogames, computadores, smartphones, tablets e smart TVs as crianças dessa geração são bombardeadas passivamente todos os dias  com fortes estímulos como: movimentos, cores, sons e luzes. São muitos recursos e apelos que ativam a atenção da criança, que se habitua facilmente a interagir com o mundo virtual. 

Mas quando trazidas para o mundo real, onde precisam atuar com tarefas corriqueiras, como assistir aula na escola, essas crianças apresentam dificuldades em manter a atenção, em função da falta de estímulos atraentes que dificultam a ativação dos circuitos atencionais e emocionais.

O resultado é claro: a criança não se interessa pela aula e atrapalha colegas, professores e a escola, como um todo.

Segundo Simone Marangoni, presidente do iSIM Instituto de Neuropsicologia Simone Marangoni, o roteiro é assim: os pais são chamados na escola com a reclamação que a criança não presta atenção na aula, algumas vezes essa criança apresenta déficit de aprendizagem, outras não, só atrapalha a rotina da escola. A escola, então, solicita aos pais que busquem ajuda médica. Assim, os pais buscam auxílio em pediatras, neurologistas ou psiquiatras. Nunca procuram um psicólogo, pois os professores e pais acham que o problema é orgânico. Se considerarmos que o TDAH é um transtorno biológico-neurológico, o tratamento também é biológico e justifica o uso de medicamentos, como Ritalina.

Na França, apenas 0,5% das crianças são diagnosticadas com TDAH, enquanto 9% são assim diagnosticadas nos Estados Unidos. “Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?” Isto se dá pela visão dos psiquiatras infantis franceses, que consideram o TDAH uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais e preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; “não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança ... Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança”


Dados da consultoria IMS Health do Brasil mostram que as vendas de um medicamento de tarja preta dispararam: 2,75 bilhões de caixas de cloreto de metilfenidato foram comercializadas no país entre julho de 2012 e julho de 2013. Em dez anos (de 2002 a 2013), houve um impressionante aumento de 775% no consumo de Ritalina (um dos nomes comerciais mais conhecidos do composto, que pode aparecer nas farmácias também como Concerta e Venvanse), segundo tese de doutorado da psicóloga Denise Barros desenvolvida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Os números foram obtidos com base nos relatórios sobre produção, importação e estoque de metilfenidato da Junta Internacional de Controle de Narcóticos, órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). A tendência de crescimento já havia sido apontada em 2012, em um boletim da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que admitiu a ocorrência de “possíveis distorções” na utilização dessa medicação.

“Este é problema cultural no Brasil que piora com atuação da indústria farmacêutica. As crianças passam por uma série de exames, como ressonância magnética e eletroencefalograma para buscar a causa orgânica, uma alteração no cérebro.  Normalmente, 80% dos casos não têm causa orgânica e sim funcional”, esclarece Simone.

Simone explica que as funções mentais são artificiais ao cérebro. “Não existe atenção! A maior parte das crianças que, hoje, apresentam o que é o chamado de TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, não tem os recursos atencionais desenvolvidos plenamente e que necessitam ser aprendidos e treinados. Hoje, os professores continuam atuando, supondo que o nível de atenção da criança seja igual ao da minha geração, o que não é realidade”.

O perigo está no diagnóstico de um Pseudo-TDAH com tratamento medicamentoso, que pode causar efeitos colaterais negativos, afetando diretamente o funcionamento cerebral.

A Ritalina, cloreto de metilfenidato, é um estimulante do grupo dos anfetamínicos,  que altera todo o perfil biodinâmico das crianças, e causa o mesmo efeito devastador que o uso prolongado de cocaína: muitas crianças se tornam robôs, ficam letárgicas, deprimidas e introvertidas, podem ter seu crescimento retardado ao romper os ciclos dos hormônios de crescimento liberados pela glândula pituitária, causando graves distúrbios no cérebro da criança. “A Ritalina reprime as atividades criativas, espontâneas e independentes na criança fazendo com que ela se torne mais dócil e obediente”. 
O problema não está na criança, nem na escola, nem nos pais e sim no entendimento biológico e natural das funções mentais. “Enquanto acharmos que todas as nossas funções mentais são naturais, assim como nascem nossos cabelos, iremos buscar uma solução orgânica”, esclarece Simone.

Para Marangoni, o ideal é analisar como a atenção da criança está funcionando, para saber se, de fato, sofre de TDAH, e o primeiro passo para isso é a avaliação neuropsicológica que faz o mapeamento das funções mentais de atenção, concentração, memória, processamento das informações,  planejamento e verificação do comportamento próprio da criança, além de analisar como os aspectos afetivos e emocionais interferem nos processos intelectuais.

A avaliação neuropsicológica também serve como instrumento para diagnóstico e ajuda na identificação de autismo, transtorno global de desenvolvimento, transtorno opositor, demência, declínio cognitivo, depressão e outras perdas cognitivas. Como instrumento para plano terapêutico é peça chave para a identificação do fator principal que desencadeia as dificuldades nas ações cotidianas.

Os relatórios de avaliação neuropsicológica apontam quais são as funções cognitivas que apresentam déficits, descreve os processos emocionais (ansiedade, angústia, irritabilidade, auto-estima, auto-imagem, entre outros) e qual é o nível de compatibilidade com a classificação dos transtornos (CID, DSM).

“Com o resultado da avaliação neuropsicológica, passamos para a fase da estimulação cerebral, que maximiza o desempenho das funções mentais da criança.  Nesta fase, criamos e executamos estratégias para o máximo desenvolvimento das funções de atenção, memória, processamento das informações (visuais, auditivas, táteis e motoras), pensamento, afeto, emoção, fala e planejamento da ação, o que resulta na transformação da dinâmica cerebral. A criança melhora suas relações interpessoais e otimiza suas ações do dia-a-dia, a partir do novo desempenho do cérebro”, complementa Marangoni.
A dinâmica de trabalho inclui exercícios, jogos e orientação a gestores, pais e cuidadores que transformam o funcionamento do cérebro, auxiliando a terapêutica medicamentosa, caso seja necessária.

“Hoje, reconhecemos a plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de se reorganizar, no entanto isso não acontece espontaneamente, uma vez que depende da qualidade das atividades e relações sociais do dia a dia.  Também podemos entrar em outra questão: tudo está muito pronto, queremos resolver os problemas rapidamente e a medicação é o caminho que elimina momentaneamente o sintoma, mas não soluciona o problema pois não transforma a função mental. A proposta é a avaliação para compreensão das funções, seguida de estimulação para transformá-las  e, por fim,  a reavaliação para confirmar o resultado esperado”, finaliza Marangoni.





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