É o que tenho ouvido de muitos
congressistas empenhados em drenar da dignidade do voto algumas gotas de
virtude para substituir os hectolitros dessa mesma substância moral que
deixaram verter pelo caminho.
Como assim, Excelência? Não dá para resgatar
a honra do voto popular se ele foi obtido por péssimos meios para ainda piores
fins. O que a cada dia fica mais evidente perante os olhos da sociedade
brasileira é que um número substancial de mandatos em pleno uso de seu poder de
fogo são mandatos usurpados, obtidos fora das regras do jogo e perverteram a
representação democrática.
A questão já foi posta por outros
analistas, mas cabe reavivá-la aqui: o que é social e moralmente mais danoso?
Fazer uso de dinheiro roubado para robustecer o patrimônio pessoal, ou para
perverter a democracia mediante abuso do poder econômico durante a disputa
eleitoral? Parece claro que atacar a virtude da disputa política, viciar a
representação, corromper o voto popular é muito mais funesto. A certeza se
extrai de realidade palpável porque - feitas as muitas devidas, honradas e
honrosas exceções -, é impossível negar que tais práticas têm contribuído, de
modo crescente, para desqualificar a representação, apetrechando o país com uma cada vez menos confiável, menos
competente e menos esclarecida elite política.
Converse com antigos servidores de
qualquer poder legislativo e ouvirá o testemunho do fato: a cada legislatura
decai a qualidade da representação parlamentar, até sermos arrastados às atuais
societas sceleris. Depois, observe os
resultados dos pleitos presidenciais e me diga se alguma empresa, de capital
aberto ou fechado, com acionistas ou proprietários, entregaria seu comando a
pessoas como Lula e Dilma Rousseff. No entanto, o Brasil confiou-se a eles em quatro
pleitos sucessivos.
Acompanhei em Porto Alegre, a última
eleição da Câmara Municipal e sei o quanto ela, com recursos limitados a
pequenas doações pessoais, dependeu principalmente da atividade voluntária de
apoiadores e do trabalho diuturno dos candidatos. Bem diferente do que estava
habituado a observar, quando, às primeiras horas do início efetivo das
campanhas, a cidade amanhecia com suas principais avenidas tomadas por material
publicitário de meia dúzia de candidatos.
Obviamente, a democracia ganha muito
mais quando quem tem que buscar voto é a pessoa do candidato, quando é ele que
trabalha e não sua máquina eleitoral, formada por legiões de militantes pagos,
frotas de veículos e muito recurso sonante para atender demandas de cabos
eleitorais espalhados de uma forma que lembra a tomada de território em guerra
de ocupação.
Não venham, então, os que se locupletam
com caixa dois, os mercadores de emendas, os que mascateiam favores, os
beneficiários de exuberantes e mal havidos fundos partidários, advogar, em
benefício dos próprios pescoços, por listas fechadas, abuso de autoridade,
anistia de caixa 2. A nação dispensa tais trabalhos! É hora, então, de os bons
congressistas se unirem para o expurgo dos maus.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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