Bem vindas às águas de março que anunciam o outono, neste nosso sofrido
2017. Mais suaves, teoricamente; que cessem os relâmpagos, as trovoadas, os
granizos, nas quedas oceânicas e bravias de águas que fazem submergir sob elas
nossos bens e nossas vidas, sobretudo nas periferias dos barrancos e dos
entulhos.
O despencar castigante da natureza é injusto ao retaliar os que menos
podem defender-se. Mas a natureza não se preocupa com a justiça, conceito dos
homens até hoje discutido, desde Aristóteles. A natureza foi atacada pelo
desmatamento, aquecimento global, desequilíbrio da flora e da fauna, mas nela
não opera um magistrado divino para fazer cair tudo sobre a
cabeça dos Trumps da vida.
As águas, de que tanto necessitamos, em escala de equilíbrio, a partir
deste mês e por alguns, se aproximam. Serão amigas, se ainda há espaço à
amizade entre o homem e o mundo exterior, que reinou quando dormíamos ao
relento a admirar o cosmos encantado.
O outono, a estação melancólica. Melancolia favorece as
conjecturas...
Morna, mas não temos nada contra os mornos. Das
cores intermédias, nem gritantes nem pálidas, podem emergir as salvações.
Assim entendia o sábio da Vinci e outros.
É discreto o outono, quando suas folhas se despem das flores e
caem das árvores. Pela manhã vemos as relvas levadas pelos ventos. Os recados
das noites e dos sonhos. O tapete sobre o qual se despojam as flores
da primavera que superaram o verão.
Há, sim, no outono, uma vaga angústia, uma leve febre, não se sabe por
que. E as tardes outonais, tão postas em versos? "Ah, são tardes de uma
tão magoada indiferença, que, antes que comece nas coisas, começam em nós os
outonos." (Pessoa, "Livro do Desassossego").
As demais estações esperam o outono passar, o verão e o estio talvez
deplorem sua indefinição. Porém é necessária, como a dos intervalos em nossas
atividades. Creio na relação psíquica entre os homens, o tempo, o espaço e as
estações determinadas pela órbita de nosso planeta em torno do sol. Cada qual
com sua psique, para mim o outono é uma estação amada.
Aliás, um belo nome para se identificar uma estação de trem em belas
montanhas.
Amadeu Roberto
Garrido de Paula - Advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
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