Passada a turbulência causada pelo
processo de impeachment presidencial, cassação do presidente da Câmara Federal
e a Operação Lava Jato se encaminhando para o final é o momento de se pensar
seriamente no país e estabelecer uma ampla agenda para reorganização política e
estrutural. Nesse contexto, evidentemente, estão às reformas previdenciária e
trabalhista, já em discussão, e as demais que há tempo são citadas e nunca
enfrentadas, como a tributária, a fiscal e a política, esta recebendo apenas
remendos pontuais.
É necessário rever dispositivos como o
sistema de indicação de ocupantes de cargos no Judiciário e Tribunais de
Contas, priorizando funcionários de carreira e adoção de forma para que a
escolha seja pelos membros dessas instituições sem influências externas,
especialmente políticas. Quanto aos Tribunais de Contas, há na Câmara Federal
uma proposta de Emenda à Constituição estabelecendo novos critérios que acabam
com nomeações políticas que nem sempre atendem requisitos básicos para a
função. O problema é que a matéria não anda, está em análise há mais de três
anos.
A legislação eleitoral precisa de revisão
para eliminar algumas distorções que não contribuem para a modernização e
dinamização do processo. O instituto do foro privilegiado foi ampliado e se tornou
obstáculo quando se trata de aplicação de punições a políticos que cometem
desvio de conduta, ensejando protelações que levam à sensação de impunidade,
por retardar a tramitação dos processos, aplicação das penas e cumprimento das
sentenças condenatórias. Não faz muito, tivemos exemplo disso com o Mensalão,
que quase chegou à prescrição.
Ainda na reforma político-eleitoral há
necessidade da cláusula de barreira, medida imperativa para fortalecer os
partidos. O dispositivo, existente em vários países, no Brasil foi aprovado em
1995 e valeria a partir das eleições de 2006, mas não chegou a ser aplicado,
porque antes do início da sua vigência foi declarado inconstitucional pelo STF.
Agora, tramita nova PEC (Proposta de Emenda
Constitucional) já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do
Senado. Esse projeto prevê uma cláusula de barreira com o objetivo de limitar o
número de partidos em funcionamento no Congresso.
A norma tem inúmeros aspectos positivos,
sendo o mais importante a natural eliminação de partidos sem
representatividade, os chamados ‘nanicos’, criados e mantidos por lideranças
que exercem amplos poderes sobres a siglas, usadas para interesses próprios.
Basta observar que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trinta e cinco
partidos estão registrados. Desses, apenas uma dúzia tem estrutura e
representatividade nacional, os demais o eleitor desconhece até o nome. Vivem
de coligações, geralmente barganhadas. Recente levantamento indica que se a
cláusula de barreira estivesse em vigor o país teria entre doze e quinze siglas
partidárias.
Um dos empecilhos para aprovar essa
restrição é o argumento de que pequenos partidos (geralmente corporativos)
acabariam. As lideranças, inclusive de partidos mais expressivos, fazem
proselitismo porque têm interesse na agregação dessas siglas em coligações. E
falando em coligações, também estas deveriam ser proibidas nos pleitos
proporcionais, para que os partidos se vissem obrigados a uma ampla
estruturação a fim de disputar eleições com suas próprias condições, sem se
apoiar em uma agremiação maior. Seria um dispositivo limitativo, pois as siglas
sem potencial sucumbiriam de forma natural.
Mas esse não é o principal ponto
negativo. As coligações são feitas por interesses de lideranças e muitas vezes
entre partidos sem identidade ideológica entre si. Também são feitas em função
de interesses regionais, partidos que em determinados estados ou municípios são
adversários, noutros estão unidos, revelando que não têm linha ideológica e
programática própria. Aliás, o assunto também é tema de debate no Congresso em
torno de um anteprojeto no Senado que prevê a proibição de coligações partidárias nas eleições proporcionais
(deputados e vereadores). Evidentemente, é longo o caminho entre a apresentação
e a votação, o que demanda discussões e negociações, pois a maioria dos
políticos não aceita mudanças que não lhes interessem, mesmo que sejam
benéficas ao sistema.
Entendo, também,
que o país precisa de uma nova lei dos partidos políticos, inclusive para
estimular a participação dos brasileiros na política. Para citar apenas um
exemplo, basta observar que os diretórios, núcleos dos partidos, são, via de
regra, manobrados por lideranças de acordo com seus interesses e objetivos. O
diretório hierarquicamente maior age discricionariamente sobre o menor (o
nacional sobre o estadual e este sobre os municipais) e assim são formadas,
instaladas e dissolvidas comissões provisórias. Essa situação passa à sociedade
péssima imagem dos partidos e por consequência inibe o interesse do cidadão em
participar da política, porque filiar-se a um partido é o caminho para
exercício do direito de cidadania através da política. Resumindo, esta é uma
pauta mínima que pode e deve ser acrescida, inclusive com ações positivas do
governo que independem de legislação, mas sim de projetos e programas
específicos. Se isso for feito, a classe política sairá fortalecida,
reconquistará o respeito e o apoio da população.
Acredito que este é
o momento, especialmente depois da Lava Jato, inegavelmente um dos maiores
acontecimentos da atualidade, vigoroso passo à frente na restauração da
credibilidade e da confiança nacional de que o Brasil pode ser um novo país em
termos de decência política e de seriedade na gestão pública. No que diz
respeito ao término da impunidade de maus políticos e gestores públicos, a Lava
Jato é um divisor de águas. Entretanto, passar o Brasil a limpo não se
restringe apenas em punir os desvios, mas adotar e implementar programas de
interesse nacional, atualizar a legislação política e promover as reformas
estruturais. E a população deve se empenhar em participar da vida política e
colaborar na fiscalização. Tudo isso depende de vontade política e espírito
público.
Luiz
Carlos Borges da Silveira - empresário, médico e professor. Foi Ministro da
Saúde e Deputado Federal.
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