terça-feira, 24 de maio de 2016

Abandono de tratamento ameaça a saúde do paciente crônico



Garantir a adesão às medicações de uso contínuo, usadas em quadros comuns no Brasil, como hipertensão, colesterol alto e depressão, ainda é um desafio para a medicina


            As doenças crônicas não transmissíveis representam mais de 72% das causas de mortes no Brasil e quase metade da população apresenta alguma dessas condições, com destaque para depressão, diabete, hipertensão arterial e dislipidemia (colesterol LDL alto), consideradas fatores de risco para doenças cardiovasculares. Esses dados, compilados pelo governo na versão mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde, evidenciam a prevalência elevada dessas enfermidades na população. Mas o problema vai além da abrangência: grande parte desses pacientes simplesmente abandona o tratamento, que na maioria das vezes deveria se estender por toda a sua vida

No caso da dislipidemia, condição muitas vezes silenciosa, convencer o paciente a prosseguir com o tratamento pode ser ainda mais desafiador. “Quando um portador de artrite reumatoide não toma seu medicamento, por exemplo, sente dores.  Isso não ocorre com quem tem dislipidemia. Em geral, o brasileiro mantém a medicação contra o colesterol alto por um período curto, que vai de três a seis meses, segundo as pesquisas de mercado feitas no País”, diz o médico José Rocha Faria Neto, professor de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná  e ex-presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia.  

Apenas 40% dos hipertensos e 60% dos diabéticos em todo o mundo seguem corretamente a prescrição médica, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, embora o abandono do tratamento seja um problema mundial, Faria Neto lembra que a situação é ainda mais grave nos países menos desenvolvidos. É o que mostra um estudo recente publicado pela revista científica The Lancet envolvendo 153.996 adultos de 17 nações, entre elas o Brasil, divididas em quatro categorias: países com desenvolvimento muito alto, alto, médio e baixo. Ao avaliar o uso contínuo de estatinas em pacientes que receberam essa indicação médica, os pesquisadores constataram que apenas 3,3% dos pacientes dos países com baixo desenvolvimento seguiam a prescrição, ante 66,5% nos países mais desenvolvidos. 

A literatura médica aponta que nem mesmo as pessoas internadas em função de problemas cardiovasculares seguem o tratamento indicado pelo médico após a alta hospitalar. Um estudo divulgado pela revista científica Circulation, da Associação Americana de Cardiologia, revelou que 25% de 4.591 pacientes que passaram por essa situação já não obedeciam a prescrição médica assim que deixaram o hospital. Outro estudo, envolvendo 22.279 pacientes com síndrome coronariana aguda, mostrou que mesmo aqueles que passaram a se tratar adequadamente após o episódio, apenas 40% continuavam a tomar os medicamentos para controlar o colesterol passados dois anos da internação. Esse trabalho foi publicado no Journal of The American Medical Association (JAMA).

Falta informação
Para o cardiologista Faria Neto, a falta de informação é um dos fatores que leva muitos pacientes a abandonarem a medicação para doenças crônicas. “Boa parte da população não sabe, por exemplo, que o colesterol alto é um problema crônico, exceto quando causado exclusivamente por problemas dietéticos”, diz o médico. Além disso, nem sempre está claro para o paciente que a dislipidemia e a hipertensão, muito relacionadas a vários elementos da vida moderna, como alimentação inadequada, estresse e sedentarismo, representam os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares, que são a primeira causa de morte por doença no País. 

Não é à toa que, dentro desse cenário, a Organização Mundial da Saúde (OMS) faz uma projeção nada otimista para o Brasil: estima-se que, até 2030/2040, ocorra um aumento de 250% nas mortes por doenças cardiovasculares no País. Para tentar reverter essa situação, os médicos têm um papel fundamental, estimulando a adesão do paciente ao tratamento. “Ele precisa conversar com o paciente, entender suas necessidades, ouvir suas queixas e, quando necessário, até mesmo fazer ajustes na medicação”, avalia Faria Neto. 

A desinformação também ajuda a alimentar mitos em outras áreas da medicina, em especial a psiquiatria. Receosos em adotar o uso contínuo de antidepressivos, muitos pacientes interrompem a medicação por conta própria, prejudicando seriamente o tratamento.


 Pfizer

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