sexta-feira, 6 de março de 2015

COMPREENDER A MULHER




A mais importante homenagem à mulher é compreendê-la. Como dizem os franceses, "tout comprendre c'est tout pardonner" (compreender tudo é perdoar tudo). Não que as mulheres necessitem de algum perdão, principalmente dos homens, nossas duas únicas subespécies humanas. A compreensão, contudo, é a fonte do entendimento, da criação, do progresso e do aprimoramento entre as gentes. Assim, o melhor presente que se dá a alguém é compreendê-lo.
O ponto mais sensível a perceber a natureza da mulher é o coração. Poderíamos dizer o cérebro; abdicaríamos do símbolo para dar lugar a uma verdade cáustica, verdade nem sempre diretamente assimilada pelo observador:
Jesus nunca usou linguagem direta.
 Alguns exemplos da história podem nos auxiliar a sentir o coração da mulher. Anne Frank era portadora de um espírito altivo porém intransigente, às vezes implacável, com seus companheiros ocultos num beco das tropas nazistas. Nem por isso deixou de fazer o que muitas outras não o fariam em defesa dos perseguidos; e seu diário era uma expressão da literatura opressa num dos mais cruéis momentos da humanidade.
 A genial Hannah Arendt abordou um aspecto das maldades que, provavelmente, um homem não teria sua atenção despertada para ele. Adolf  Eichmann, julgado e condenado à morte em Israel, não era antissemita, doentio ou perverso. Apenas um burocrata leal. Daí o destaque à origem do mal em todas as burocracias comandadas por opressores. Ainda na Segunda Guerra Mundial, em que a fonte única do direito, por força de decreto incontrastável, era a palavra do Führer, um grupo de jovens acabados de formar-se em Direito pôs-se a desafiar o comandante nazista por meio de uma interpretação jurídica: a ordem para matar todos os judeus significava apenas os homens, não as mulheres e crianças. Foram postos em seu devido lugar, com nova canetada do mais diabólico dos homens que povoaram nossa terra. Somente uma mulher, Arendt, teve o descortínio e a invejável intuição de analisar o tema sob esse ângulo e ainda pagar o preço imposto pelos fundamentalistas de sua raça.
 Se queremos a compreensão, temos de olhar por todos os lados, todos os detalhes. Xantipa, a mulher de Sócrates, diz a história ou uma lenda, derramou um balde de excrementos sobre uma grande cabeça, um cérebro dos mais privilegiados do mundo, visto que demorara a voltar para casa, certamente envolvido em sua maiêutica. Ele não passou recibo. Disse que Xantipa o ajudara a conhecer melhor a humanidade.
 Nas comemorações anuais da mulher, põem-se em destaque aspectos necessários, tais como sua inferioridade no mercado de trabalho, o assédio, a dura jornada com os filhos, a insensibilidade dos homens frente a esses problemas, a recentíssima inclusão da mulher no mercado de trabalho e, mais ainda, sua rara investidura na titularidade de cargos importantes nas atividades privadas e públicas. Pouco se fala de sua sensibilidade amorosa e, via de regra, correm preconceitos que derivam mais da alma masculina. A mulher não tem a segurança dos homens e seus sentimentos oscilam, na busca do ideal, como se vê do admirável poema de Amy Levy, escritora inglesa ida aos 27 anos e pródiga nas letras, denominado de "O Bosque Negro":
 "Acomodei-me debaixo dos pinos
Olhei para cima, para o verde
Escuro na copa das árvores.
Brilho sombrio que marca o tom do azul.

Fechei os olhos, e um incrível
Sentido fluiu sem critério:
\Neste lugar moro morta e enterrada
E aqui é um cemitério.

Estou em um repouso eterno,
Terminaram todos os conflitos.
Deitada senti os lamentos
Por minha pequena vida passada.

Direito injusto e trabalho perdido,
Sábio conhecimento depreciado;
A pureza, o fracasso e o pecado,
E fui triste por isso?

Fizeram-me triste de vez
E nunca mais abalaram meu pudor,
Meu coração estava cheio de dor
Pela alegria que nunca tive.

Que a melhor homenagem à mulher seja a compreensão da natureza de seu coração e o ato de forjar a harmonia que deve presidir todas as relações humanas.

Amadeu Garrido de Paula - advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

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