Entre as tantas promessas que o fim do ano inspira,
poucas sobrevivem ao cotidiano. As grandes resoluções se perdem, mas talvez
a real transformação esteja nos gestos quase invisíveis — aqueles que
não aparecem nas listas resolutivas, mas moldam silenciosamente quem
somos.
Não são as solenes declarações as principais
sobreviventes do Ano Novo, são as melhores observações que conseguimos coletar
nos pequenos detalhes da nossa enorme insignificância. Lancemos mão da ajuda de
alguns elementos para melhor esclarecer esse ponto.
A terra, por exemplo, ensina o valor da presença:
cuidar do que está ao alcance, regar o que se tem e que precisa crescer,
reconhecer a textura do instante, valorizar a concretude de nossa
passagem pela existência.
O fogo lembra que toda mudança começa com um
pequeno estalo — o entusiasmo de sair um pouco da casa velha e sempre acolhedora,
de se mobilizar em direção a algo novo e imprevisível.
O mar convida à escuta: seu movimento lembra que
nada é fixo, que a vida pulsa entre o vai e vem das marés internas e que tudo
tem um fim e um recomeço, até mesmo a morte é o início da vida para alguns
organismos, um verdadeiro coice no autocentrismo.
E o tempo, paciente e discreto, mostra que amadurecer
é menos sobre pressa e mais sobre continuidade.
Quando não assumimos essas pequenas escolhas,
buscamos refúgio num “paraíso interior”, confortável e previsível, onde tudo
parece sob controle. Mas é nesse abrigo que também se entrincheiram o medo de errar
e o hábito de responsabilizar o mundo por aquilo que deixamos de viver. A
verdadeira coragem talvez esteja em abrir espaço para o incerto — em aceitar o
desconforto de mudar uma rotina, um pensamento, uma palavra.
A arte é o território onde esse exercício se torna
visível e público. É ela que nos lembra que a vida também se expressa no
inacabado, no imperfeito, no instante em que algo dentro de nós se
desloca e que ainda não chegou à perfeição. Talvez nunca
chegue a esse estágio de completude e precisamos encarar essa pequena
derrota a cada instante. Assim pensado, é nas pequenas
renovações, que o humano se refaz — um gesto de cada vez, uma gota que forma o
oceano e que o contém completamente.
Ricardo Pegorini - escritor e autor do livro “Contos
do Tempo e da Terra, do Fogo e do Mar”, que explora a condição humana e suas
múltiplas dimensões.
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