Quem atua no universo dos contratos comerciais sabe que esses instrumentos funcionam, quase como um termômetro, das transformações do mercado e da sociedade. Nos últimos anos, acompanhamos uma sucessão de movimentos que impactaram diretamente as relações contratuais entre empresas. Primeiro, veio o período de adaptação à Lei Geral de Proteção de Dados, que, em seu início, gerou inúmeras dúvidas práticas sobre a aplicação da norma e trouxe desafios à formatação dos contratos. Em seguida, durante a pandemia da covid-19, assistimos à ascensão das cláusulas de força maior, até então muitas vezes deixadas em segundo plano, mas que repentinamente se tornaram protagonistas nos debates jurídicos e negociais.
Agora, a atenção se volta para uma nova pauta que
vem redesenhando o cenário contratual: o ESG — Environmental, Social and
Governance, ou, em português, Ambiental, Social e Governança.
Inicialmente restrito a nichos empresariais específicos, o conceito rapidamente
ganhou força e se consolidou como diretriz essencial das práticas corporativas.
No setor de papel e celulose, essa influência se faz sentir de maneira
particularmente intensa, em razão da relação direta da atividade industrial com
temas ambientais, gestão responsável de recursos naturais e impactos sociais
nas comunidades locais.
Hoje, é praticamente impensável negociar contratos
de fornecimento de tecnologia, insumos ou serviços para essa indústria sem
considerar as políticas e práticas ESG envolvidas. Onde antes o avanço
tecnológico e as estratégias comerciais ocupavam o centro das discussões, o
protagonismo agora é compartilhado com a busca por equilíbrio entre inovação,
sustentabilidade e responsabilidade social. O que antes era uma tendência de
mercado passou a ser uma exigência de governança.
Dentro dos contratos, as obrigações relacionadas ao
ESG se manifestam de forma pulverizada, muitas vezes sem a percepção imediata
de que fazem parte desse mesmo conceito. No entanto, quando analisadas sob uma
perspectiva mais ampla, revelam clara correlação com os pilares ambiental,
social e de governança. Entre essas obrigações, destacam-se: a preferência pela
contratação de mão de obra local, acompanhada do dever de qualificação dessas
pessoas; o controle e a redução de ruídos e outras formas de poluição sonora; a
responsabilidade por danos ambientais e pelo cumprimento da legislação vigente;
a vedação ao trabalho infantil e ao trabalho análogo à escravidão, tanto por
parte da contratada quanto de seus subcontratados; e a verificação da
idoneidade de todos os integrantes da cadeia produtiva, garantindo que os
serviços sejam prestados de forma sustentável e em conformidade com a lei.
Essas previsões contratuais, antes vistas como meras
formalidades, vêm ganhando relevância real na gestão dos negócios. E não apenas
na teoria: observa-se um esforço concreto das principais empresas do setor para
adequar suas operações aos compromissos de ESG. A Suzano, por exemplo, declarou
ter atingido, em 2023, 88% de energia proveniente de fontes renováveis. A
Bracell, em 2024, anunciou ter alcançado 72% de energia limpa em seu processo
produtivo. Já a Klabin figura, por cinco anos consecutivos, entre o “top 1%” em
práticas ESG, segundo a S&P Global.
Entre os fornecedores, empresas como a Valmet vêm
demonstrando comprometimento semelhante, com auditorias e fiscalizações
constantes em suas cadeias de suprimentos para assegurar a aderência às
políticas de sustentabilidade e eliminar práticas contrárias aos princípios
ESG. Tais iniciativas indicam que o tema não se restringe a cláusulas contratuais
e se traduz em ações efetivas e mensuráveis, impactando positivamente toda a
estrutura produtiva do setor.
Ainda assim, há um longo caminho a ser percorrido.
O compromisso assumido pelas empresas, muitas vezes formalizado inicialmente
nos contratos comerciais, precisa se traduzir em condutas concretas, capazes de
transformar essa tendência em prática permanente. O verdadeiro desafio está em
fazer com que o ESG deixe de ser apenas uma exigência formal ou um diferencial
competitivo e passe a integrar, de forma autêntica, a cultura empresarial e a
estratégia de negócios. No setor de papel e celulose, esse avanço já é visível,
mas sua consolidação dependerá da capacidade de manter o equilíbrio entre
eficiência econômica, responsabilidade social e sustentabilidade ambiental —
elementos que, mais do que cláusulas contratuais, representam hoje os pilares
de uma nova maneira de fazer negócios.
Ana Carolina Lopes Sequeira dos Santos - Diretora Legal LatAm da Valmet
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