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| Thiago Frederico de Souza Costa -Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal e Secretário Executivo do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública Consesp. |
A recente operação policial no Rio de Janeiro, que resultou na lamentável perda de quatro valorosos policiais e dezenas de mortes em confronto, expõe de forma crua uma falha sistêmica de nossa Federação: os Estados estão sendo obrigados a suportar um problema de dimensão transnacional quase sozinhos e pagando a conta de uma guerra irregular.
O crime organizado, representado por facções como o Comando Vermelho,
não é um problema puramente estadual. Ele se alimenta do tráfico de armas e
drogas, cuja logística se inicia nas fronteiras do País. A apreensão de dezenas
de fuzis e o uso de drones com explosivos pelos criminosos demonstram que as
Polícias Estaduais estão sendo lançadas em um cenário de guerra de alta
intensidade, sem o devido amparo da União.
A Constituição Federal atribui à União o dever primário de
policiamento de fronteiras. Contudo, a ineficácia e a descontinuidade do
controle federal garantem ao crime organizado um fluxo ininterrupto de
armamento de alto calibre e drogas.
O combate ao tráfico transnacional de drogas é, legalmente, um
crime federal. Na prática, porém, são os Estados que arcam com o custo humano e
logístico da repressão e, pior, com a manutenção do sistema prisional para
custear o encarceramento desses criminosos de alta periculosidade.
Essa transferência de ônus se materializa em uma injustiça: quando
as Polícias Estaduais descapitalizam o crime, apreendendo ativos, veículos e
dinheiro, a maior parte desses bens é revertida para fundos federais, como o
FUNAD, e não retorna ao sistema estadual que sacrificou vidas e recursos na
operação.
Como medida de justiça federativa, é imperiosa a mudança na
legislação para que haja a reversão prioritária dos ativos apreendidos pelas
Polícias Estaduais diretamente para o Fundo Estadual de Segurança Pública.
É o justo retorno para compensar os custos, adquirir tecnologia de inteligência
e valorizar o policial.
Além da falta de estrutura suficiente da Polícia Federal e da
Receita Federal para fazer frente a esse desafio de dimensão continental, outro
problema central está na efetividade da Lei Complementar 97, que regulamenta a
atuação das Forças Armadas na faixa de fronteira, tendo em vista que essa atuação
deve se tornar uma obrigação permanente das Forças Armadas, independente de
discricionariedade ou vontade política do gestor. Se for necessária a
alteração da Lei Complementar 97, que assim seja. A subsidiariedade para o
emprego das FFAA impede um controle de fronteira contínuo, estratégico e
sistemático, que é essencial para coibir o crime organizado, afetando, ao cabo,
a própria defesa do território e da soberania em áreas conflagradas pelo
narcotráfico.
O resultado é perverso: as polícias estaduais (Civil e Militar)
agem na ponta do problema – na contenção, no confronto reativo que
resulta em alta letalidade – enquanto a causa (o fluxo logístico e
financeiro do crime) não é neutralizada na origem por quem tem a obrigação de
fazê-lo. O pedido de empréstimo de blindados, negado pela União, ou a hesitação
na transferência de líderes de facções para presídios federais, reforçam a
percepção de desengajamento na guerra que deveria ser de todos.
A morte de nossos quatro policiais é o preço máximo de uma falha
de estratégia nacional.
A segurança pública é dever de todas as esferas. É imperativo que
a União assuma sua responsabilidade, não apenas com apoio logístico pontual,
mas com uma política de fronteira contínua e integrada, e com mecanismos de compensação
financeira aos Estados. Não é factível que o apoio logístico de um blindado do
Exército dependa de decretação de GLO. É bastante cômodo negar com base em
teorias jurídicas um apoio para um problema grave e real do estado brasileiro.
É preciso dar respaldo legal e logístico para que o policial atue no cenário de
guerra que lhe foi imposto.
Por essa e outras é que, no âmbito do Conselho Nacional de
Secretários de Segurança Pública, foi assinado recentemente um Acordo de
Cooperação Técnica para que os Estados e o Distrito Federal se apoiem
mutuamente em ações operacionais, refletindo num verdadeiro pacto federativo
(estadual) de cooperação.
Enquanto a União não fechar a torneira que
abastece o crime organizado (armas e drogas na fronteira) e não compensar os
Estados pelo sacrifício, o ônus da violência e da letalidade continuará
recaindo, tragicamente, sobre as forças estaduais, tal como já recai o ônus
para financiar a maior parte da segurança pública deste país.
Thiago Frederico de Souza Costa -Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal e Secretário Executivo do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública – Consesp.

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