sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Projeto de lei sobre acompanhante hospitalar para PCD pode virar obrigação legal

O projeto representa uma mudança estrutural na responsabilidade dos hospitais”


A Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3239/24, que altera o Estatuto da Pessoa com Deficiência para obrigar hospitais a fornecerem um acompanhante a pacientes com deficiência que estejam desacompanhados e solicitem esse apoio. 

A proposta, de autoria do deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR), ainda precisa tramitar pelas comissões de Finanças e Tributação, Constituição e Justiça e, se aprovada, seguirá para o Senado Federal. Portanto, a medida ainda não está em vigor, mas já levanta importantes discussões no setor da saúde. 

Para o advogado Gustavo Clemente, especialista em Direito Médico e da Saúde, pós-graduado em Administração Hospitalar, sócio do Lara Martins Advogados e presidente do Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás (SINDHOESG), o projeto representa uma mudança estrutural na responsabilidade dos hospitais. “Hoje, a obrigação é permitir e garantir condições para a permanência de um acompanhante. Com a nova lei, o hospital passa a ter uma obrigação de fazer, ou seja, de fornecer ativamente esse profissional. Isso altera o regime de responsabilidade civil da instituição”, explica. 

Segundo Clemente, a falha em fornecer o acompanhante, quando solicitado, poderá configurar omissão e gerar responsabilidade civil direta. “Se o paciente sofrer qualquer dano físico ou moral que poderia ter sido evitado com a presença do acompanhante, o hospital poderá ser acionado judicialmente, inclusive com base no Código de Defesa do Consumidor”, alerta. 

Além dos aspectos jurídicos, o advogado destaca os desafios operacionais e financeiros. “Quem arcará com os custos desse serviço? Os hospitais precisarão renegociar contratos com operadoras de saúde, já que o serviço não está previsto no Rol da ANS. A ausência de previsão contratual pode gerar disputas e desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos vigentes”, afirma. 

Outro ponto crítico é a falta de definição legal sobre o perfil do acompanhante. “A lei não especifica se o acompanhante deve ser um cuidador, um técnico de enfermagem ou outro profissional. Isso gera uma lacuna que recai sobre o hospital, que terá de definir, contratar, treinar e assumir a responsabilidade por esse profissional. Inclusive, será necessário reforçar os seguros de responsabilidade civil e criar protocolos de conduta para mitigar riscos de imperícia, negligência ou imprudência”, completa. 

O especialista recomenda que os hospitais comecem a se preparar antes mesmo da sanção da lei. “É fundamental desenvolver políticas internas, fluxos de solicitação, critérios de qualificação do acompanhante e um ‘Termo de Designação e Ciência’ para que o paciente compreenda os limites da atuação desse profissional. Também será necessário garantir conformidade com a LGPD, já que o acompanhante terá acesso a dados sensíveis do paciente.” 

Do ponto de vista estrutural, o presidente sugere que os hospitais realizem estudos de impacto orçamentário e avaliem o modelo mais viável: contratação direta ou terceirização do serviço. “A terceirização pode mitigar riscos trabalhistas, mas exige fiscalização rigorosa do contrato e da qualidade do serviço prestado.” 

Caso a lei seja aprovada e descumprida, Clemente aponta que os pacientes poderão buscar medidas extrajudiciais e judiciais. “Na esfera extrajudicial, é possível enviar notificação formal ao hospital, registrar reclamações no Procon e na ANS, especialmente se houver negativa por parte da operadora de saúde. Judicialmente, o paciente pode ingressar com uma ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, solicitando que o juiz determine o fornecimento imediato do acompanhante, sob pena de multa diária.” 

Apesar de reconhecer a intenção nobre do projeto, o advogado faz um alerta: “A proposta não define a fonte de custeio, o que pode inviabilizar sua implementação, especialmente em hospitais de pequeno porte. É essencial que o setor hospitalar atue junto ao Congresso, principalmente na Comissão de Finanças e Tributação, para condicionar a obrigação à existência de cobertura e remuneração adequada”, finaliza. 

 

Fonte: Gustavo Clemente: especialista em Direito Médico e da Saúde, pós-graduado em Administração Hospitalar, sócio do Lara Martins Advogados. Presidente do Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás (SINDHOESG). Integrante do Conselho Fiscal da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (AHPACEG).


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